Brasil decide futuro com base no Direito Penal do Inimigo
DOM, 22/03/2015
Direito Penal do Inimigo
é uma teoria assentada em três pilares: antecipação da punição;
desproporcionalidade das penas e relativização e/ou supressão de certas
garantias processuais; e criação de leis severas direcionadas a quem se
quer atingir (terroristas, delinquentes organizados, traficantes,
criminosos econômicos, dentre outros).
Seu criador, o alemão
Günther Jakobs definiu “inimigo” como alguém que não se submete ou não
admite fazer parte do Estado, e por isso não deve usufruir do status de
cidadão, ou seja, pode ter seus direitos e garantias relativizados. O
professor de Direito Penal Rogério Greco resume: o Direito Penal do
Inimigo tem sido usado com a finalidade de aplicar penas privativas de
liberdade, com a minimização das garantias necessárias a esse fim.
Greco (foto)
desenha um itinerário: primeiro, o clima propício de uma sociedade
exausta diante da insegurança e amedrontada ou indignada, com ganas de
vingança. A sensação, captada pela mídia, desloca o debate do Direito
das mãos dos profissionais para o microfone de apresentadores de
programas de entretenimento ou jornalistas que passam a exigir leis mais
duras, recrudescimento de penas e redução do amplo direito de defesa
dos acusados.
Uma vez instalado esse
cenário, personagens que, em condições normais de temperatura e pressão,
seriam relegados ao anonimato, dão o suposto respaldo técnico que os
leigos precisam para legitimar a finalidade pretendida: a condenação
sumária de suspeitos. A revista eletrônicaConsultor Jurídico já
apontou atitudes de defensores de tal postura no Brasil, como os
ex-ministros Joaquim Barbosa e Eliana Calmon. O argumento simplificador
de que a sociedade pode ficar livre da parcela de indivíduos não
adaptados eleva seus defensores à condição de celebridades instantâneas.
Opor-se a eles implica ser visto como defensor do crime.
Os exemplos não são
apenas brasileiros. O juiz espanhol Baltazar Garzón também ficou
conhecido por arrumar meios ilegais para chegar aos seus fins: prender
quem ele acreditava ser culpado. Isso até ser ele próprio ser condenado
por abuso de poder e excluído da magistratura por 11 anos, após ordenar
escutas telefônicas entre políticos acusados de corrupção e seus
advogados.
O
discurso agrada ao grande público e é replicado por quem quer dizer que
atende aos anseios da sociedade. Em sua posse, no último dia 1º, a
presidente da República, Dilma Rousseff, afirmou claramente que
partirão do próprio Poder Executivo federal projetos para endurecer as
penas, em nome do combate à corrupção. Como a Rainha de Copas do livro Alice no País das Maravilhas bradava “cortem-lhe a cabeça”, dirigindo-se a acusados que ainda seriam julgados, a presidente (foto) repete que precisamos de “penas mais duras e julgamentos mais rápidos”.
A noção de que punições mais duras diminuem o volume de crimes é rebatida pelo criminalista Eduardo Myulaert. Em recente artigo publicado pela ConJur,
ele aponta que a impunidade, talvez o maior fator de estímulo à
violência, “decorre da incapacidade do Estado, que não consegue imprimir
a eficácia necessária aos serviços de prevenção, investigação,
julgamento em tempo hábil e, ainda mais, de administração
penitenciária”.
Noves fora
A dialética impõe que, em nome do interesse público, nenhuma ideia seja deixada de lado. Tanto mais quando se trata de proteger a sociedade da corrupção, do terrorismo, do tráfico de drogas e da criminalidade em geral. O problema é saber se o rebaixamento do direito de defesa aperfeiçoa, de fato, o sistema jurídico.
A dialética impõe que, em nome do interesse público, nenhuma ideia seja deixada de lado. Tanto mais quando se trata de proteger a sociedade da corrupção, do terrorismo, do tráfico de drogas e da criminalidade em geral. O problema é saber se o rebaixamento do direito de defesa aperfeiçoa, de fato, o sistema jurídico.
Nos Estados Unidos, a adoção da chamada Lei Patriótica (Patriot Act),
marco legal que legitimou ações contra terrorista, eliminou ou reduziu
garantias individuais e direitos fundamentais não só de americanos mas
até de chefes de Estado de outras nações. Em que medida o terrorismo
recuou, ainda é preciso esperar para saber.
Na Itália, onde se deu o
exemplo mais famoso de combate sem freios ao crime organizado, fala-se
muito da desarticulação da máfia pela operação mãos limpas, ou mani pulite.
Mas pouco se diz dos seus bastidores e do custo da empreitada.
Omite-se, por exemplo, que a campanha foi deflagrada por uma disputa
entre grupos políticos. E que alguns de seus idealizadores foram
ceifados pelos mesmos crimes que atribuíam a seus algozes — como o
inventor da guilhotina na Revolução Francesa.
Sobre a mani pulite, o professor e advogado Leonardo Isaac Yarochewsky (foto)
aponta que a operação foi inicialmente aclamada pela população
italiana, ganhou espaço na crítica ante os abusos cometidos pelo
Ministério Público e pelos juízes, especialmente “pelos exageros
apontados nos encarceramentos preventivos, tanto que a operação passou a
ser apelidada pela imprensa de ‘operação algemas fáceis’”. Ali, diz o
professor, “iniciava-se um embate entre os operadores do Direito,
divididos entre o argumento de combate à criminalidade e do respeito às
garantias fundamentais”.
Se essa divisão apontada
por Yarochewsky se faz em todo o mundo jurídico, vale destacar a
posição do juiz federal Sergio Moro — que ganhou os holofotes ao
conduzir as ações decorrentes da recente operação “lava jato” — sobre a
operação italiana aponta o lado que ele tomou para si. Em artigo publicado em 2004,
o juiz elogia a atuação da Justiça italiana, na operação que, segundo
muitos, tirou crédito da Justiça do país. Segundo ele, foi “uma das mais
exitosas cruzadas judiciárias contra a corrupção política e
administrativa”.
Moro, que é acusado por
advogados de ter prendido os empresários da operação “lava jato” apenas
para pressioná-los a fazer delações, já havia se posicionado sobre a
questão: “A prisão pré-julgamento é uma forma de se destacar a
seriedade do crime e evidenciar a eficácia da ação judicial,
especialmente em sistemas judiciais morosos. Desde que presentes os seus
pressupostos, não há óbice moral em submeter o investigado a ela”.
O juiz, aliás, é só
elogios ao instituto da delação premiada. “Um criminoso que confessa um
crime e revela a participação de outros, embora movido por interesses
próprios, colabora com a Justiça e com a aplicação das leis de um país.
Se as leis forem justas e democráticas, não há como condenar moralmente a
delação; é condenável nesse caso o silêncio”, diz em seu artigo.
O próprio vazamento
seletivo de informações sobre investigados é aplaudido pelo magistrado.
Na sua visão, o “uso da imprensa” por juízes e MP serve para combater a
“manipulação da imprensa” pelos acusados. “Os responsáveis pela
operação mani pulite ainda
fizeram largo uso da imprensa. Com efeito: “Para desgosto dos líderes do
PSI, que, por certo, nunca pararam de manipular a imprensa, a
investigação da ‘mani pulite’ vazava como uma peneira. Tão logo alguém era preso, detalhes de sua confissão eram veiculados no L’Expresso, no La Republica e
outros jornais e revistas simpatizantes. Apesar de não existir nenhuma
sugestão de que algum dos procuradores mais envolvidos com a
investigação teria deliberadamente alimentado a imprensa com
informações, os vazamentos serviram a um propósito útil. O constante
fluxo de revelações manteve o interesse do público elevado e os líderes
partidários na defensiva.”
Quanto à possibilidade de o vazamento a conta-gotas das informações causarem danos à honra de acusados, Moro (foto) tem uma solução simples: “Cabe aqui, porém, o cuidado na desvelação de fatos relativos à investigação”.
O fato de a operação
mãos limpas ter quebrado a economia italiana e deixado o país em um
vácuo político que culminou com a ascensão de Silvio Berlusconi — amigo
próximo de Bettino Craxi, principal réu da mani pulite —
não são vistos como erros da operação. O problema é dos outros, diz
Moro. “Talvez a lição mais importante de todo o episódio seja a de que a
ação judicial contra a corrupção só se mostra eficaz com o apoio da
democracia.”
Advogados grampeados
As posições polêmicas do juiz, que ganha as manchetes como quem está decidindo o futuro do país em relação ao direito de defesa, não vêm apenas em suas decisões na famigerada “lava jato” ou nas suas opiniões sobre a operação italiana. Em 2010, a Ordem dos Advogados do Brasil do Paraná entrou com uma representação contra uma decisão de Sergio Fernando Moro e do juiz Leoberto Simão Schmitt Jr. que determinou que todas as conversas entre advogados e presos na Penitenciária Federal de Catanduvas fossem interceptadas, “independente da existência de indícios da prática de infração penal pelos defensores”.
As posições polêmicas do juiz, que ganha as manchetes como quem está decidindo o futuro do país em relação ao direito de defesa, não vêm apenas em suas decisões na famigerada “lava jato” ou nas suas opiniões sobre a operação italiana. Em 2010, a Ordem dos Advogados do Brasil do Paraná entrou com uma representação contra uma decisão de Sergio Fernando Moro e do juiz Leoberto Simão Schmitt Jr. que determinou que todas as conversas entre advogados e presos na Penitenciária Federal de Catanduvas fossem interceptadas, “independente da existência de indícios da prática de infração penal pelos defensores”.
A decisão, acusou a
OAB-PR, generaliza de modo absolutamente injustificado uma suspeita em
relação a todos os advogados dos presos daquela unidade. “De outro lado,
os argumentos manejados para justificar a extrema medida são
visivelmente improcedentes, na medida em que o monitoramento não se
estende às autoridades públicas, membros do MPF, Juízes e Defensores
Públicos, criando, assim, uma injustificável discriminação aos advogados
privados”.
O monitoramento não
incluía defensores públicos, autoridades públicas e membros do
Ministério Público e do Poder Judiciário, porque, segundo o juiz federal
Sérgio Moro, eles “não estão sujeitos a cooptação com os criminosos”,
por não terem “vínculo estreito” com os detentos e poderem não retornar
mais ao presídio em caso de pressão das organizações.
Clique aqui para ler o artigo de Sergio Moro sobre a operação mani pulite.