Segundo pesquisador, aumento das tarifas de água pode ser injusto com as populações mais pobres
Para relator da ONU, mais ricos devem pagar mais por água
Segundo pesquisador, aumento das tarifas de água pode ser injusto com as populações mais pobres
22 mar 2015
14h54
atualizado às 15h48
Defensor da água como um direito humano, o pesquisador Léo Heller –
relator especial das Nações Unidas (ONU) sobre água e esgotamento
sanitário – é a favor do subsídio cruzado na cobrança da tarifa de água.
“Que os mais ricos paguem mais e os mais pobres paguem menos, uma
transferência interna no sistema de cobrança”, declarou à Agência
Brasil.
Ele avalia que são temerárias as políticas que aumentem o custo da água
para estimular a economia do recurso hídrico, pois isso pode levar a
injustiças. A prática de aumentar o preço da água foi utilizada em
países como a Dinamarca. “É preciso ter muito cuidado com modelos de
cobrança para que isso não implique um ônus desproporcional para as
populações mais pobres”, avaliou.
De acordo com Heller, a maioria dos prestadores do serviço de água no
Brasil adota um modelo tarifário que parte do pressuposto de que a
população mais pobre gasta menos água. O valor do metro cúbico (m3)
consumido, portanto, aumenta na medida em que o consumo mensal é maior.
“Isso não é necessariamente verdade. Muitas vezes as populações mais
pobres têm famílias mais numerosas, têm menos equipamentos domiciliares
economizadores de água. Como resultante [desse modelo de cobrança], isso
pode levar a consumos muito baixos, desconexões, sacrificando a saúde
dessas pessoas”, apontou.
Parte do modelo tarifário da Companhia de Saneamento Básico de São
Paulo (Sabesp), por exemplo, tem gerado questionamentos em meio à crise
hídrica, especialmente as tarifas aplicadas a pessoas jurídicas. Os
Contratos de Demanda Firme buscam fidelizar grandes consumidores, como
shoppings, hotéis e indústrias, por meio de descontos, ou seja, quem
consome mais paga menos. Por esse modelo, de acordo com a tabela
tarifária, quem consome de 500 a 1.000 m3 por mês paga R$ 11,67 por
metro cúbico. Acima de 40 mil m3, o valor é R$ 7,72. Para clientes
comuns, a tarifa industrial e comercial para a maior faixa de consumo
(acima de 50 mil m3) é R$ 13,97, sendo maior que nos dois casos
anteriores.
Com a escassez de água, clientes comuns tiveram que economizar para ter
descontos. Enquanto isso, os 537 consumidores que firmaram esses
contratos continuaram a pagar menos pelo metro cúbico.
Uma lista divulgada pelo jornal El País, conseguida por meio da Lei de
Acesso à Informação, mostra o volume consumido e o valor pago por alguns
deles. A Viscofan, que produz tripas de celulose para embutidos, é a
campeã no consumo, com um gasto mensal de 60 mil m3. De acordo com o
jornal, a empresa paga, com o desconto fornecido pela Sabesp, R$ 3,41
por m3. Esse montante equivale à média mensal de mais de 2,7 mil
famílias, considerando um gasto médio de 22 m3, segundo dados da
Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon).
A reportagem da Agência Brasil tentou entrar em contato com a Viscofan para comentar os dados, mas não obteve retorno.
A Sabesp informou, por meio de nota, que visitou os clientes
beneficiados pelos Contratos de Demanda Firme e pediu que eles
economizassem. Para tanto, a companhia adotou duas medidas: a eliminação
da exigência de consumo mínimo e a liberação do uso de fontes
alternativas. Na prática, ao estipular um consumo mínimo, a empresa
dispensava os clientes de adotaram medidas de economia, pois cobrava um
valor cheio para um determinado volume de água a ser consumido. A
empresa destacou ainda que, agora, esses consumidores têm direito ao
bônus se reduzirem o consumo, mas estão sujeitos a multa se aumentarem o
gasto de água.
De acordo com a companhia, os condomínios comerciais (edifícios de
escritórios e shopping centers) reduziram o consumo em 15%. O comércio
varejista, como supermercados, teve queda de 18% no gasto de água. No
setor automotivo, o consumo dos clientes demanda firme caiu 64%.
Na última sexta-feira, a organização não governamental Greenpeace
lançou uma campanha contra os descontos da Sabesp a grandes empresas.
O relator da ONU avalia que a crise hídrica no Sudeste decorre do
descumprimento de dois princípios que fundam o direito humano à água.
“Um deles é planejamento e o outro é [que o Estado deve] usar o máximo
dos recursos disponíveis para garantir o acesso à água. Se esses dois
princípios tivessem sido observados de forma contínua, sem interrupções,
de forma planejada, a crise não estaria ocorrendo”, declarou.
Para ele, as obras anunciadas pelo governo paulista para o
enfrentamento do desabastecimento de água, por exemplo, deveriam ter
sido feitas com antecedência. “Não é plausível começar a pensar em
soluções com a crise já instalada”, apontou.
O direito humano à água é baseado no princípio de que todos os seres
humanos devem ter água suficiente, segura, aceitável, fisicamente
acessível e a preços razoáveis para usos pessoais e domésticos.
O pesquisador explica que planejamentos adequados devem considerar as
variações do volume de água nos recursos hídricos. “Um equilíbrio que
leve em conta que não se deve consumir toda a água, que deve haver um
excedente, que leve em conta a proteção da biodiversidade. Isso é
elementar”, apontou.
Ele avalia que, embora este momento de seca não seja típico, ele
poderia ter sido previsto. “Estávamos avisados que poderíamos sofrer
escassez. Há correntes mais modernas de planejamento de água que falam
de planos mais inteligentes, estratégicos, mais adaptativos. Essa
situação que o Sudeste passa deve entrar com uma variável fundamental no
planejamento futuro”, projetou.
Agência Brasil