Mídia, Imprensa e Escândalos: entre diferentes pesos e medidas.... O Caso Swissleaks - HSBC e o Lava-Jato
"O cuidado do jornal O Globo com os brasileiros envolvidos no escândalo internacional do HSBC se justifica pelo fato de que nem todos os correntistas são criminosos, mas levanta uma questão de método: por que essa mesma cautela, própria do bom jornalismo, não se aplica com equanimidade a outros escândalos, nos quais a imprensa transforma automaticamente em réus todos os citados?"
O texto a seguir, de Luciano Martins Costa, foi retirado do Observatório da Imrensa:
IMPRENSA & ESCÂNDALOS
Swissleaks, um iceberg na Suíça
Por Luciano Martins Costa em 12/03/2015 na edição 841
Comentário para o programa radiofônico do Observatório, 12/3/15
O Globo inicia na quinta-feira (12/3) uma série de reportagens sobre o caso conhecido como “Swissleaks”, ou seja, o vazamento de informações sobre contas mantidas por 106 mil clientes e 20 mil empresas na filial suíça do banco britânico HSBC. O trabalho do diário carioca vai focalizar parte dos 8.687 brasileiros que aparecem na lista como donos de pelo menos US$ 7 bilhões. Esse montante se refere apenas a um pacote de documentos revelado pelo engenheiro de software Hervé Falciani, que coletou os dados de 2006 e 2007.
Não é crime possuir uma conta no exterior, mas o caráter sigiloso desses
contratos chama a atenção da Polícia Federal, conforme explica o
jornal.Esse cuidado em não criminalizar a priori os
proprietários do dinheiro se destaca na primeira reportagem, e nenhum
dos que foram localizados pelos jornalistas admitiu ser titular das
contas. No entanto, o jornal relacionou 23 deles a casos de corrupção,
fraude e outros crimes investigados ou julgados nos últimos anos, o que
significa que o que veio à tona pode ser apenas a ponta de um imenso
iceberg.
O Globo vincula esses nomes,
entre outros, ao caso das licitações superfaturadas no sistema de trens
e metrô de São Paulo, à “máfia da Previdência”, à falência fraudulenta
do Banco Econômico, a dois esquemas ligados a compras de medicamentos no
Ministério da Saúde, e a pelo menos um dos envolvidos na operação Lava
Jato.
Não há como deixar de relacionar essas fortunas suspeitas também a casos
ainda não citados pelo jornal, como o escândalo do Banestado,
considerado por policiais e procuradores como a matriz dos esquemas de
evasão de divisas no Brasil.
O cuidado do jornal se justifica pelo fato de que nem todos os
correntistas são criminosos, mas levanta uma questão de método: por que
essa mesma cautela, própria do bom jornalismo, não se aplica com
equanimidade a outros escândalos, nos quais a imprensa transforma
automaticamente em réus todos os citados?
No caso das contas suspeitas na Suíça, a primeira amostra da
investigação jornalística pode impulsionar a ação policial, como observa
o Globo, e daí pode nascer uma parceria capaz de fazer revelações importantes.
A questão das fontes
Qual a diferença entre o “Swissleaks” e os demais escândalos que
pululam diariamente na imprensa brasileira? Basicamente, a diferença
está na fonte das informações: o escândalo que nasce no banco britânico
por iniciativa de um ex-funcionário está sendo destrinchado por um
consórcio de centenas de jornalistas de várias nacionalidades, o que
dificulta a manipulação seletiva dos dados. Uma “versão nacional” que
viesse a destoar das publicações em outros países colocaria sob risco a
reputação do jornal.
Nos casos de corrupção e fraudes investigados no Brasil, pode-se
construir qualquer narrativa, ao sabor da vontade dos editores, porque
as fontes são em geral vazamentos clandestinos de inquéritos que se
desenvolvem sob sigilo oficial, mas que servem a propósitos políticos. E
é isso exatamente que tem acontecido nos últimos anos, principalmente
após as primeiras revelações do esquema de financiamento de campanha que
resultou na Ação Penal 470.
Observe-se que, ao contrário dos períodos anteriores, os órgãos públicos
de investigação e o sistema judiciário brasileiros têm atuado na última
década com plena desenvoltura e sem interferências dos demais poderes. A
Polícia Federal tem autonomia para conduzir seus inquéritos, a
Procuradoria Geral da República simplesmente dá curso às denúncias que
lhe compete conduzir e ninguém ouve falar, desde 2002, de manobras para
ocultar, obstruir ou engavetar processos. Pelo contrário, é em certo
gabinete do Supremo Tribunal Federal que se localiza o “triângulo das
Bermudas” de alguns casos recolhidos para vistas e que em seguida
desaparecem do noticiário.
Na quinta-feira (12), alguns comentaristas começam timidamente a alertar
para o risco de confrontos nas manifestações marcadas para o próximo
domingo, onde estarão misturadas expressões legítimas de insatisfação
com o governo federal, oportunistas de todo tipo e aventureiros que
defendem a volta da ditadura militar. O clima beligerante foi criado
pela imprensa brasileira, ao convencer os midiotas de que a corrupção
foi uma invenção do século 21.
A série de reportagens iniciada pelo Globo é o modelo que foi esquecido.
Leia também
A ética pisando em ovos - Sylvia Debossan Moretzsohn