quinta-feira, 20 de junho de 2019

Como governa os homicidas

Teopolítica fundamentalista neoliberal: assim governam os perversos
domtotal20 de junho de 2019 06:39


Na 'teopolítica neoliberal', a religião e a economia se fundem no político. (Marcos Corrêa/ PR)
Por Élio Gasda*
O fundamentalismo parte de uma afirmação absoluta a respeito de sua própria verdade e rejeita os argumentos discordantes, considerando-os falsos. A aliança de dois fundamentalismos em torno do bolsonarismo desequilibrou a esfera política brasileira: fundamentalismo econômico e fundamentalismo religioso.
No fundamentalismo econômico, a existência humana gira em torno do dinheiro. A acumulação privada e ilimitada de riqueza é o eixo. Alguns sinais do neoliberalismo como fundamentalismo econômico: a imposição de uma verdade como absoluta, apoiada por uma ciência econômica como único caminho para o conhecimento da realidade e a intervenção sobre ela; a economia, como ciência exata, sobreposta à política; o pluralismo teórico e prático resignando-se à verdade das soluções econômicas; individualismo radical.
O sequestro da política é concretizado no papel do complexo transnacional financeiro/empresarial nas decisões do governo. O sequestro da política é traduzido por influência política desproporcional em relação a outros atores sociais. Segurança social, saúde, educação, são transformadas em fontes de acumulação de riqueza. O capital não tem função social.
O fundamentalismo religioso é constituído por uma mistura de moralismo (comportamento), tradicionalismo e meritocracia (teologia da prosperidade). A divindade se submete às ambições humanas. Deus é usado como elemento do discurso político. A "bandeira" política é identificada como vontade de Deus. Decisões políticas são "obras do Senhor". A ação política, as instituições públicas e os políticos devem ser guiados pelas verdades da religião. Os adversários ideológicos são inimigos de Deus. Na Igreja Católica, o fundamentalismo se transforma em movimentos neoconservadores que rejeitam o Concílio Vaticano II. No neopentecostalismo, por uma aliança do espiritual com o dinheiro e com o poder político. Teologia da prosperidade aplicada ao mercado (riqueza) e à política (conquista do poder).
Jair Messias Bolsonaro é o primeiro presidente com discurso evangélico neopentecostal. Em sua mensagem de vitória (28/11/18) citou Deus várias vezes e afirmou: “nosso lema fui procurá-lo no que muitos chamam de uma caixa de ferramentas para corrigir homens e mulheres, que é a Bíblia Sagrada”. Seu lema: "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos". Bolsonaro invoca a nação e o nome de Deus, colocando ambos na arena política ao lado de seu nome. Quem ataca Bolsonaro é um inimigo “da pátria” e de Deus. Deus, Brasil e Bolsonaro são um trio com uma mesma missão.
Bolsonarismo é a adesão à figura de Bolsonaro, “mito” para fiéis seus seguidores. Bolsocrentes, acreditam e defendem o modo de pensar e agir “bolsonariano”. O repertório varia de ataques à mendigos, indígenas, mulheres, negros e homossexuais a discursos fascistas, como o apoio a torturadores, militares e incitação à violência. O bolsonarismo estimula violações à Constituição e ao Estado de Direito.
Uma das primeiras regras da política de extrema direita é demonizar seu inimigo. Conta com aliados delinquentes no poder judiciário para fazer o trabalho sujo. Munido de um exército de robôs, o bolsonarismo invade perfis do Facebook, compra disparos no whatsapp, e abusa de fakes. As redes sociais são sua base de apoio. No Brasil, os jovens gastam, em média, mais de nove horas por dia navegando na Internet (Digital Global 2018). Isso é o dobro do tempo que passam na escola. Eles consomem informações através de mídias sociais. Qual é o impacto das grandes plataformas que dominam aplicativos de internet (Google/YouTube, Facebook/WhatsApp, Twitter) na política? O termo "seguidor" não tem nada de inocente. A fidelidade faz do “seguidor” um crente discípulo de figuras inqualificáveis tipo Olavo de Carvalho.
A aliança entre fundamentalismo econômico e fundamentalismo religioso reconfigura o cenário político. Nele, o "escolhido" Bolsonaro tem uma missão recebida de Deus e do mercado. Nessa "teopolítica neoliberal", a religião e a economia se fundem no político. Representantes de igrejas e do mercado são nomeados para funções executivas em todas as esferas do poder público. Mais preocupado com a tomada de três pinos, o bolsonarismo não tem nenhum projeto para combater a pobreza e o desemprego. A economia brasileira é administrada por operadores de sistemas financeiros sem qualquer visão de políticas públicas. Com o apoio da mídia, o plano é “uma economia para 30 milhões”. É um neoliberalismo radical que ignora as políticas sociais e favorece o aumento das desigualdades a níveis intoleráveis. A distância entre ricos e pobres está se movendo para novos extremos. O Brasil tem 52,2 milhões de pessoas vivendo na pobreza. Os 8% mais ricos têm 87% da riqueza. 30 milhões de trabalhadores não têm emprego.
Em meio a tudo isso, o bolsonarismo não esconde seu desprezo pela democracia. “Queremos jovens que não se interessem pela política” (Jair Bolsonaro). Obscurantismo é o alto preço da ignorância. Nada mais contrário à vontade de Deus: “Árvore má não produz fruto bom. É impossível colher figos de espinheiros, nem uvas de ervas daninhas. Uma pessoa boa produz o bem do bom tesouro do seu coração. Uma pessoa má produz todo tipo de coisas ruins a partir do mal que habita seu interior” (Lc 6, 43-45). O país está sob o desgoverno dos perversos. Qual será a sua próxima maldade?