Ex-agente duplo conta como a CIA promove ‘guerras
não violentas’ para implodir governos
26 de novembro de 2015
Marco
Weissheimer
Cuba procura normalizar as relações com os EUA. Mas
conhece bem o interlocutor com que está a lidar. Esta história é uma de muitas
outras possíveis: entre 2004 e 2011, o escritor e professor cubano Raúl Antonio
Capote Fernández actuou, a pedido dos serviços de informações cubanos, como
agente duplo infiltrado na CIA. Foi contactado muito jovem porpessoas ligadas à
agência norte-americana e convidado a participar de um projecto que pretendia
criar uma “oposição de novo tipo” em Cuba, capaz de, após o desaparecimento de
Fidel Castro, iniciar uma “revolução suave” que acabasse por derrubar o governo
de Havana.
Entre 2004 e 2011, o escritor e
professor cubano Raúl Antonio Capote Fernández atuou, a pedido da inteligência
cubana, como agente duplo infiltrado na CIA. Raúl Capote foi contatado muito
jovem por pessoas ligadas à agência de inteligência norte-americana e convidado
a participar de um projeto que pretendia criar uma “oposição de novo tipo” em
Cuba, capaz de, após o desaparecimento de Fidel Castro, iniciar uma “revolução
suave” que acabasse por derrubar o governo de Havana. A sua missão era formar
líderes universitários e criar o projeto “Genesis”, com o objetivo de
estabelecer em Cuba a estratégia do “golpe suave”, elaborada por autores como
Gene Sharp.
Em entrevista ao Sul21, Raúl Capote
conta essa experiência, relata como ela fracassou em Cuba e diz que ela já foi
aplicada em países como Venezuela, Irã e Líbia e que segue sendo implementada
em diversas regiões do mundo. “A ideia da guerra não violenta consiste em ir
solapando os pilares de um governo até que ele imploda. O objetivo não é fazer
com que um governo renuncie. Se isso acontecer, o projeto fracassou. A ideia é
que o governo imploda e que isso cause caos. Com o país em caos, é possível
recorrer a meios mais extremos”, assinala.
Raúl Capote veio a Porto Alegre a
convite da Associação Cultural José Martí/RS para participar de uma série de
encontros e debates. Ele mantém o blog El Adversário Cubano, onde conta outros
detalhes sobre essa história e sobre outras “guerras não violentas” em curso no
planeta.
Sul21: Como é que você começou a
trabalhar com assuntos de segurança em Cuba e sob que circunstâncias se tornou
um agente duplo, atuando infiltrado na CIA?
Raúl Capote: Isso começou em 1986. Eu era um jovem inquieto e rebelde que fazia parte de uma organização chamada Associação Hermanos Saiz, que agrupava jovens poetas, pintores e escritores. Esse espírito rebelde para nós era algo muito natural. Fomos ensinados a ser assim. Creio que os serviços especiais norte-americanos confundiram esse espírito de rebeldia com um espírito de possível oposição ao sistema. Eles começaram a se aproximar de nós. Eu vivia em Cienfuegos, no centro-sul de Cuba, uma cidade que tinha uma importância estratégica nesta época porque a revolução queria convertê-la num centro industrial para o país. Havia muitas obras em construção, entre elas uma central Eletronuclear e fábricas de todo tipo. Era uma cidade muito jovem e onde trabalhavam muitos cubanos que tinham se formado na União Soviética e em outros países do campo socialista. Creio que essa conjuntura de ser uma cidade jovem e industrial, com muitos jovens interessados em temas da cultura, da política e da economia, chamou a atenção da CIA.
Raúl Capote: Isso começou em 1986. Eu era um jovem inquieto e rebelde que fazia parte de uma organização chamada Associação Hermanos Saiz, que agrupava jovens poetas, pintores e escritores. Esse espírito rebelde para nós era algo muito natural. Fomos ensinados a ser assim. Creio que os serviços especiais norte-americanos confundiram esse espírito de rebeldia com um espírito de possível oposição ao sistema. Eles começaram a se aproximar de nós. Eu vivia em Cienfuegos, no centro-sul de Cuba, uma cidade que tinha uma importância estratégica nesta época porque a revolução queria convertê-la num centro industrial para o país. Havia muitas obras em construção, entre elas uma central Eletronuclear e fábricas de todo tipo. Era uma cidade muito jovem e onde trabalhavam muitos cubanos que tinham se formado na União Soviética e em outros países do campo socialista. Creio que essa conjuntura de ser uma cidade jovem e industrial, com muitos jovens interessados em temas da cultura, da política e da economia, chamou a atenção da CIA.
Eles começaram a se aproximar de nós
por meio de organizações não-governamentais. A primeira pessoa que veio falar
conosco foi Denis Reichler, um jornalista freelancer da revista Paris Match,
que para nós era uma espécie de ídolo do jornalismo esportivo. O que
admirávamos nele era sua atuação como jornalista que havia estado na África e
em muitos outros lugares. Era uma referência positiva para se aproximar de um
grupo de jovens tão rebelde. Ele nos colocou em contato com organizações
não-governamentais que, supostamente, estavam interessadas em financiar
projetos artísticos em Cuba. Nos colocou em contato com pessoas que começaram a
planejar ajuda econômica e a trabalhar conosco, em um processo de aproximação
que buscava ganhar a nossa confiança. Éramos jovens e estávamos começando a
fazer literatura ou artes plásticas. Ainda não tínhamos nenhuma obra, só
tentativas.
Era um processo de aproximação feito
com muita cautela e sem pressa. Neste período, a Segurança de Estado cubana
entrou em contato comigo, me explicou o que estava acontecendo, que aquelas
pessoas não pertenciam, de fato, a organizações não governamentais e quais eram
as suas reais intenções. Isso me dava três possibilidades. A primeira era
seguir trabalhando com eles. A segunda era interromper o trabalho e o contato
com eles. E a terceira possibilidade, que me foi proposta pela segurança
cubana, era seguir trabalhando com eles, converter-me em um agente da segurança
cubana e tratar de decifrar quais eram os planos dessas pessoas no mundo da
cultura e das artes, especialmente junto à juventude.
Sul21: Esse contato com a agência de
segurança cubana e o trabalho que se seguiu daí aconteceram ainda em 1986?
Raúl Capote: Sim, em 1986. Para mim era algo extraordinário. Nos anos 80, existia na sociedade cubana toda uma mística sobre o trabalho da segurança cubana, que sempre foi muito popular. Havia uma história legendária sobre ela, que tinha frustrado planos da CIA contra Cuba. Pertencer a essa organização me pareceu algo maravilhoso. Não avaliava, então, o quão complicado seria o trabalho que eu teria que enfrentar nem a quantidade de renúncias que eu teria que fazer. Eu tinha 20 anos quando comecei esse trabalho. Foi um longo processo. Houve um momento em que ocorreu uma interrupção desse movimento de aproximação feito pelos inimigos de Cuba. Em 1987, houve uma grande denúncia pública. Mais de 30 agentes da segurança cubana expuseram o trabalho de quase 96 oficiais da CIA que estavam atuando dentro do país.
Raúl Capote: Sim, em 1986. Para mim era algo extraordinário. Nos anos 80, existia na sociedade cubana toda uma mística sobre o trabalho da segurança cubana, que sempre foi muito popular. Havia uma história legendária sobre ela, que tinha frustrado planos da CIA contra Cuba. Pertencer a essa organização me pareceu algo maravilhoso. Não avaliava, então, o quão complicado seria o trabalho que eu teria que enfrentar nem a quantidade de renúncias que eu teria que fazer. Eu tinha 20 anos quando comecei esse trabalho. Foi um longo processo. Houve um momento em que ocorreu uma interrupção desse movimento de aproximação feito pelos inimigos de Cuba. Em 1987, houve uma grande denúncia pública. Mais de 30 agentes da segurança cubana expuseram o trabalho de quase 96 oficiais da CIA que estavam atuando dentro do país.
Isso fez com que a CIA se tornasse mais
cautelosa e tomasse algumas precauções. Passaram-se então alguns anos de
contato muito leve por meio de algum jornalista ou de um representante de uma
ong. Em 1994 eu fui morar em Havana e passei a trabalhar como organizador do
sindicato de trabalhadores da cultura na cidade. Era uma mudança radical em
muitos sentidos. Até então eu trabalhava com um universo de 3 ou 4 mil jovens e
passei a dirigir 40 mil trabalhadores da cultura. Isso me tornou um alvo ainda
mais interessante para a CIA. Eu era líder de um sindicato onde estavam
praticamente todos os trabalhadores da cultura – artistas, músicos, escritores.
Era um sindicato muito forte. Aí os contatos voltaram.
Eles passaram a me visitar com um plano
mais complicado. Começaram a falar em dar informações sobre como se movia esse
mundo da cultura, sobre como os jovens viam a Revolução naquele momento, etc.
Esse processo vai se incrementando com o passar dos anos até 2004. Neste
período, entramos em contato com associações e fundações mais vinculadas com o
governo dos Estados Unidos como a Usaid e a Fundação Panamericana para o
Desenvolvimento. Em 2004 começou então o processo do meu recrutamento pela CIA.
Neste ano, conheci muitos oficiais da agência, inclusive aquele que seria meu
chefe mais tarde.
Sul21: Conheceu esses oficiais da CIA
em Cuba mesmo?
Raúl Capote: Sim, em Cuba. Em 2004, então, eles me recrutam e eu me converto em um agente da CIA com uma tarefa muito específica. Minha tarefa não era fazer espionagem, até porque eu não tinha acesso mesmo a informações muito importantes, ou praticar ações encobertas ou atos terroristas, como normalmente faziam em Cuba. O meu trabalho era promover a guerra cultural, a guerra no terreno das ideias, que eles definem muito bem ao chamar de guerra cultural. Nós usamos expressões complicadas para isso como subversão político-ideológica ou algo do gênero. Eles simplificam. É guerra cultural mesmo. O que eu não imaginava era chegar a conhecer o quanto de verdade havia no controle real que a CIA tem sobre os meios de comunicação e a indústria cultural nos Estados Unidos e no mundo inteiro. Descobri que isso existe de fato, não é teoria da conspiração como alguns acreditam.
Raúl Capote: Sim, em Cuba. Em 2004, então, eles me recrutam e eu me converto em um agente da CIA com uma tarefa muito específica. Minha tarefa não era fazer espionagem, até porque eu não tinha acesso mesmo a informações muito importantes, ou praticar ações encobertas ou atos terroristas, como normalmente faziam em Cuba. O meu trabalho era promover a guerra cultural, a guerra no terreno das ideias, que eles definem muito bem ao chamar de guerra cultural. Nós usamos expressões complicadas para isso como subversão político-ideológica ou algo do gênero. Eles simplificam. É guerra cultural mesmo. O que eu não imaginava era chegar a conhecer o quanto de verdade havia no controle real que a CIA tem sobre os meios de comunicação e a indústria cultural nos Estados Unidos e no mundo inteiro. Descobri que isso existe de fato, não é teoria da conspiração como alguns acreditam.
A CIA utiliza o cinema, as rádios, as
televisões os jornais e outros canais a partir de um plano prévio. A agência
criou um departamento que se especializou neste tipo de guerra cultural. Eu
entrei neste mundo e conheci muitas pessoas que trabalhavam nele. Em 2005, eu
me converti em chefe de um projeto específico da CIA em Cuba, chamado de
Projeto Gênesis.
Sul21: Você chegou a ir aos Estados
Unidos para fazer algum tipo de treinamento especial ou para reuniões?
Raúl Capote: Sim, tive contato direto com eles. O Gênesis era um projeto muito bem pensado e que me permitiu conhecer também como a CIA estava trabalhando na América Latina com a mesma ideia de guerra cultural. Esse projeto não foi uma novidade cubana, mas sim o resultado de um trabalho realizado pelos Estados Unidos em muitas regiões da América Latina. Ele começou a ser implementado no processo de transição democrática na América Latina, no Chile e em muitos outros lugares. Essa experiência partiu da constatação de que as universidades latino-americanas tinham sido nas últimas décadas um foco de insurreição e de formação de militantes de esquerda. Eles decidiram mudar isso e converter a universidade latino-americana em um centro de produção do pensamento da direita e não da esquerda. Eles pensavam que o fato de essas universidades terem atravessado um período de repressão muito grande, quando muitos professores e estudantes militantes de esquerda foram mortos, facilitava um pouco esse trabalho de conversão.
Raúl Capote: Sim, tive contato direto com eles. O Gênesis era um projeto muito bem pensado e que me permitiu conhecer também como a CIA estava trabalhando na América Latina com a mesma ideia de guerra cultural. Esse projeto não foi uma novidade cubana, mas sim o resultado de um trabalho realizado pelos Estados Unidos em muitas regiões da América Latina. Ele começou a ser implementado no processo de transição democrática na América Latina, no Chile e em muitos outros lugares. Essa experiência partiu da constatação de que as universidades latino-americanas tinham sido nas últimas décadas um foco de insurreição e de formação de militantes de esquerda. Eles decidiram mudar isso e converter a universidade latino-americana em um centro de produção do pensamento da direita e não da esquerda. Eles pensavam que o fato de essas universidades terem atravessado um período de repressão muito grande, quando muitos professores e estudantes militantes de esquerda foram mortos, facilitava um pouco esse trabalho de conversão.
Assim, começaram a implementar em toda
a América Latina um milionário plano de integração acadêmica. Muitos estudantes
e professores foram fazer esse intercâmbio nos Estados Unidos, onde realizaram
diversos cursos, entre eles o famoso curso de liderança. A ideia era criar uma
nova classe dirigente dentro das universidades e, por consequência, nos seus
respectivos países. A quantidade de líderes mundiais hoje que são fruto desses
programas é impressionante. Esse processo foi aplicado na Venezuela, por
exemplo, com uma ênfase muito forte, a partir de 2009.
Entre 2003 e 2004 se enviava,
mensalmente, um grupo de dez estudantes com um professor para cursos de
formação e liderança na antiga Iugoslávia, atual Sérvia, sob a coordenação do
antigo grupo de resistência sérvio, onde estava Srdja Popovic e uma série de
jovens que contavam a experiência da derrubada de Milosevic.
Participavam desses cursos também o
Instituto Albert Einstein, o Instituto de Luta pela Guerra Não Violenta, criado
pelos sérvios, o multimilionário húngaro George Soros que colocou muito
dinheiro neste projeto, e o Instituto Republicano Internacional que recebia fundos
do governo norte-americano e o aplicavam nestes cursos. Aí se formaram muitos
dos líderes da chamada Primavera Árabe e muitos líderes da oposição síria.
Criou-se toda uma estrutura para fomentar o uso da chamada luta não violenta e
do golpe suave. Estudantes venezuelanos, acompanhados de alguns professores,
começaram a fazer esses cursos de forma periódica. O objetivo era repetir esse
processo em Cuba, para formar ativistas especializados no manejo da guerra não
violenta.
Eu recebi uma preparação intensa de
como se organiza um golpe suave para derrubar um governo, quais são as medidas
fundamentais para construir essa estratégia. É claro que, dentro de Cuba, seria
muito mais difícil fazer essa formação. A alternativa encontrada foi usar o
sistema de bolsas de estudo para promover o intercâmbio de estudantes. A ideia
era propor, por exemplo, uma bolsa de estudos de seis meses ou mais em
Jerusalém para um estudante de história ou ciências sociais. Ou então oferecer
para uma jovem estudante de arte uma bolsa em Colônia, na Alemanha. Escolheu-se
universidades muito pontuais, que não fossem norte-americanas e que pudessem
ser atrativas para determinadas áreas de interesse. Mas os cursos oferecidos
nestas universidades não eram exatamente sobre arte ou sobre história, mas sim
sobre formação de lideranças, com cursos de inglês, cursos de táticas de guerra
não convencional, sobre como funcionavam as organizações democráticas. O
objetivo era que, mais tarde, esses estudantes se transformassem em elementos
de mudança em Cuba.
Sul21: E os estudantes que recebiam
essas bolsas, sabiam da real natureza desse intercâmbio?
Raúl Capote: Não sabiam. O truque da bolsa era que, em geral, oferecia um curso de seis meses. As pessoas supunham que o curso era relacionado com a sua especialidade. Por que não passar seis meses em Jerusalém, Colônia ou outro local, com tudo pago, recebendo um curso de inglês, entre outras coisas? – pensavam. A agência estimava que, se cada dez estudantes, um se convertesse em um futuro opositor, já seria um grande lucro.
Raúl Capote: Não sabiam. O truque da bolsa era que, em geral, oferecia um curso de seis meses. As pessoas supunham que o curso era relacionado com a sua especialidade. Por que não passar seis meses em Jerusalém, Colônia ou outro local, com tudo pago, recebendo um curso de inglês, entre outras coisas? – pensavam. A agência estimava que, se cada dez estudantes, um se convertesse em um futuro opositor, já seria um grande lucro.
Esse plano começou a ser implementado
em Cuba com muita força a partir de 2005, 2006, sem muitos resultados. Para
surpresa da CIA, não houve muitos interessados pelos cursos, que não tiveram o
impacto esperado junto aos jovens cubanos. Além disso, eu é que estava
dirigindo a operação…Era possível que não tivesse êxito…(risos). Outro plano
envolvendo a minha atuação como agente era fazer com que eu ocupasse uma
posição elevada dentro do Ministério da Educação. Pretendiam me dar todo o apoio
possível para tanto, apoio acadêmico e inclusive monetário. A ideia era me
converter em uma pessoa imprescindível no sistema de educação cubano por minhas
relações e contatos no mundo acadêmico.
Uma das coisas mais importantes para
eles nesta época era o tempo que lhes restava. Estavam muito preocupados com
essa questão temporal, pois aguardavam o momento do desaparecimento de Fidel.
Avaliavam que muitos dos líderes históricos da Revolução Cubana não estariam
mais em condições de assumir o posto de comando quando isso acontecesse.
Trabalhavam com um período de dez ou quinze anos, no qual se formaria em Cuba
uma nova oposição, que não teria nada a ver com a oposição anterior, que eles
próprios consideravam desprestigiada e sem base social. Queriam criar uma
oposição de novo tipo.
Sul21: Como pretendiam fazer isso?
Raúl Capote: A estratégia utilizada em Cuba se diferenciou um pouco daquela usada em outros lugares. Eles queriam formar uma oposição de esquerda, pois avaliavam que uma oposição de direita não teria êxito em Cuba, pelo enraizamento da tradição e do pensamento revolucionário e também pelo fato que a direita nunca teve uma posição muito significativa junto ao povo cubano. Passaram a tentar criar, então, organizações que fossem supostamente de esquerda. Essa era a estratégia central do projeto Genesis. Para nos auxiliar nesta tarefa, nos deram acesso a modernos meios eletrônicos de comunicação que nos permitiram acessar a internet, as redes sociais e outros espaços. A ideia era nos dotar de uma grande capacidade de mobilização e começar a gerar conteúdo dentro do país. Isso tudo seria feito em segredo, em baixo perfil, nos treinando no uso dessas novas tecnologias.
Raúl Capote: A estratégia utilizada em Cuba se diferenciou um pouco daquela usada em outros lugares. Eles queriam formar uma oposição de esquerda, pois avaliavam que uma oposição de direita não teria êxito em Cuba, pelo enraizamento da tradição e do pensamento revolucionário e também pelo fato que a direita nunca teve uma posição muito significativa junto ao povo cubano. Passaram a tentar criar, então, organizações que fossem supostamente de esquerda. Essa era a estratégia central do projeto Genesis. Para nos auxiliar nesta tarefa, nos deram acesso a modernos meios eletrônicos de comunicação que nos permitiram acessar a internet, as redes sociais e outros espaços. A ideia era nos dotar de uma grande capacidade de mobilização e começar a gerar conteúdo dentro do país. Isso tudo seria feito em segredo, em baixo perfil, nos treinando no uso dessas novas tecnologias.
Em 2007, me entregaram um equipamento
de comunicação que se conectava por satélite com o Departamento de Defesa e que
não podia ser rastreado. Esse equipamento permitia que eu tivesse comunicação
direta com meu chefe em Washington e também criar uma rede em Cuba
indetectável. De forma concomitante com isso, se começou outro projeto por meio
do qual começaram a introduzir telefones celulares no país. Em função do
bloqueio imposto pelos Estados Unidos, Cuba não tinha muitos celulares. Eles
começaram a distribuir celulares de maneira gratuita, por diferentes meios, e
criaram o programa ZunZuneo, que pretendia ser uma espécie de twitter cubano.
Essa rede começou a distribuir
mensagens de texto principalmente e notícias relacionadas ao esporte, à cultura
e às artes. A ideia era criar dentro do país um hábito de consultar essa rede e
fazer com que as pessoas confiassem nela. Assim, no momento necessário, ela
começaria a enviar mensagens para mobilizar ações contra a revolução. Fizeram
alguns testes no país, em determinados momentos, que não deram resultado, mas
seguiram implementando o projeto. Mais tarde, fizeram alguns aperfeiçoamentos e
criaram outro sistema que se chamou Piramideo, parecido com o ZunZuneo, mas com
alguns acréscimos fruto de experiências no Oriente Médio, especialmente no Irã,
onde foi utilizado como ferramenta de mobilização em determinadas situações
dentro do país.
Sul21: Qual foi o impacto dessas
iniciativas na sociedade cubana, especialmente junto à juventude? Elas tiveram
visibilidade?
Raúl Capote: Tudo era feito pensando em um determinado momento no futuro de Cuba onde deveria ocorrer uma mudança de governo. Eles pensavam que isso ocorreria entre 2015 e 2016, que é exatamente o momento que estamos vivendo agora. Neste momento, segundo o planejamento feito, já deveria estar formada uma oposição social de novo tipo, saída da universidade e integrada principalmente por estudantes e professores, mas também por artistas, pequenos comerciantes e representantes de outros setores que apoiassem essa ideia. O surgimento público desse novo movimento político se daria através do lançamento da organização Fundação Genesis para a Liberdade, que deveria se dar em um ano em que ocorressem eleições em Cuba (que ocorrem a cada cinco anos).
Raúl Capote: Tudo era feito pensando em um determinado momento no futuro de Cuba onde deveria ocorrer uma mudança de governo. Eles pensavam que isso ocorreria entre 2015 e 2016, que é exatamente o momento que estamos vivendo agora. Neste momento, segundo o planejamento feito, já deveria estar formada uma oposição social de novo tipo, saída da universidade e integrada principalmente por estudantes e professores, mas também por artistas, pequenos comerciantes e representantes de outros setores que apoiassem essa ideia. O surgimento público desse novo movimento político se daria através do lançamento da organização Fundação Genesis para a Liberdade, que deveria se dar em um ano em que ocorressem eleições em Cuba (que ocorrem a cada cinco anos).
Essa organização até poderia ser
considerada uma fundação, mas de “genesis” não tinha nada e de liberdade muito
menos. Em primeiro lugar, porque o líder da organização, eu no caso, era um
agente da CIA. Em segundo lugar, eu não podia tomar nenhuma decisão sem ouvir o
grupo consultivo que era constituído por oficiais da CIA. Então, de liberdade
não tinha nada. Por meio dessa fundação, se esperava criar um ou mais de um
partido político supostamente de esquerda. O discurso desse novo partido
consistiria em dizer que era preciso reformar e modernizar o socialismo cubano.
A nossa principal palavra de ordem era esta: modernizar. “Precisamos colocar o
socialismo à altura do tempo”, “a época heroica já passou”, “ninguém mais faz
isso no mundo”…diríamos coisas assim.
Eles acreditavam que, com o
desaparecimento de líderes históricos carismáticos da Revolução como Fidel, esse
novo movimento político teria um grande impacto na sociedade cubana levando
inclusive a uma fratura na unidade interna do país. O nascimento da Fundação
Genesis como organização seria acompanhado por uma grande campanha midiática.
Haveria uma coletiva de imprensa com alguns dos mais importantes meios de
comunicação do mundo. O passo seguinte seria organizar ações de rua,
manifestações, ocupação de espaços públicos de maneira pacífica com o objetivo
de causar impacto na sociedade.
Sul21: Qual era a meta principal dessa
tática?
Raúl Capote: Em resumo, aplicar a cartilha de Gene Sharp, teórico do golpe suave. A ideia da guerra não violenta consiste em ir solapando os pilares de um governo até que ele imploda. O objetivo não é fazer com que um governo renuncie. Se isso acontecer, o projeto fracassou. A ideia é que o governo imploda e que isso cause caos. Com o país em caos, é possível recorrer a meios mais extremos. A meta em Cuba era esta: causar um caos tal no país que fizesse desabar todos os pilares da revolução. Neste cenário, várias possibilidades eram consideradas, entre elas, uma “intervenção humanitária” dos Estados Unidos no país. Outra era a instalação de um governo de transição que levasse a um governo de direita.
O truque fundamental do projeto Genesis era que tinha supostamente um discurso de esquerda, mas as propostas reais que defendia consistiam em privatizar praticamente tudo, inclusive a saúde e a seguridade social. Era um socialismo anti-socialista e anti-social, com terríveis medidas de austeridade. Eles diziam para não nos preocuparmos, pois o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e a comunidade cubana no exterior iriam apoiar a “reconstrução do país”. Mas esse projeto nunca conseguiu ter base social nem conseguiu formar estudantes como pretendia…
Raúl Capote: Em resumo, aplicar a cartilha de Gene Sharp, teórico do golpe suave. A ideia da guerra não violenta consiste em ir solapando os pilares de um governo até que ele imploda. O objetivo não é fazer com que um governo renuncie. Se isso acontecer, o projeto fracassou. A ideia é que o governo imploda e que isso cause caos. Com o país em caos, é possível recorrer a meios mais extremos. A meta em Cuba era esta: causar um caos tal no país que fizesse desabar todos os pilares da revolução. Neste cenário, várias possibilidades eram consideradas, entre elas, uma “intervenção humanitária” dos Estados Unidos no país. Outra era a instalação de um governo de transição que levasse a um governo de direita.
O truque fundamental do projeto Genesis era que tinha supostamente um discurso de esquerda, mas as propostas reais que defendia consistiam em privatizar praticamente tudo, inclusive a saúde e a seguridade social. Era um socialismo anti-socialista e anti-social, com terríveis medidas de austeridade. Eles diziam para não nos preocuparmos, pois o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e a comunidade cubana no exterior iriam apoiar a “reconstrução do país”. Mas esse projeto nunca conseguiu ter base social nem conseguiu formar estudantes como pretendia…
Sul21: E você, na condição de agente
duplo, se esforçava na implantação do projeto ou trabalhava contra ele?
Raúl Capote: Fazia tudo o que podia para que não tivesse resultado. Era um jogo de xadrez muito interessante. Eu tinha que fazer com que eles acreditassem que estava funcionando e, na prática, fazer com que não funcionasse. Era bem difícil. Mas o projeto tinha muitos pontos débeis. Um deles era a crença de que a revolução dependia de uma única pessoa. Acreditar que a Revolução Cubana é Fidel é um erro. Outro erro era acreditar que os cubanos são pessoas ingênuas.
Em 2006, Fidel anunciou que estava se afastando de suas funções por problemas de saúde e que seria substituído por Raul (seu irmão, Raul Castro). Esse era um momento propício para aplicar a estratégia da Fundação Genesis e eles precipitaram um conjunto de ações. Acreditavam que poderia ocorrer um levante no centro de Havana.
Raúl Capote: Fazia tudo o que podia para que não tivesse resultado. Era um jogo de xadrez muito interessante. Eu tinha que fazer com que eles acreditassem que estava funcionando e, na prática, fazer com que não funcionasse. Era bem difícil. Mas o projeto tinha muitos pontos débeis. Um deles era a crença de que a revolução dependia de uma única pessoa. Acreditar que a Revolução Cubana é Fidel é um erro. Outro erro era acreditar que os cubanos são pessoas ingênuas.
Em 2006, Fidel anunciou que estava se afastando de suas funções por problemas de saúde e que seria substituído por Raul (seu irmão, Raul Castro). Esse era um momento propício para aplicar a estratégia da Fundação Genesis e eles precipitaram um conjunto de ações. Acreditavam que poderia ocorrer um levante no centro de Havana.
Para tanto, usaram um médico chamado
Darsi Ferrer, um contrarrevolucionário desconhecido. No dia 13 de agosto de
2006, data de aniversário de Fidel, ele deveria provocar um levante em Havana e
convocar uma coletiva para dizer que o país estava mergulhado no caos, que
havia militares sublevados e que a população não queria Raul no governo.
Planejaram gravar em um estúdio, de modo muito parecido com o que fizeram na
Líbia onde filmaram ações que, na verdade, não estavam acontecendo. O plano era
filmar cenários de repressão como se os militares cubanos estivessem reprimindo
a população, e transmitir essas imagens para todo o mundo. A mim me surpreendeu
muito que um oficial da CIA em Cuba tivesse o poder de pautar e subordinar os
mais importantes meios de comunicação do mundo. Era isso que estava se
planejando ali.
Sul21: E qual era o seu papel neste
plano?
Raúl Capote: Quando essas imagens do “caos” em Cuba tivessem sido transmitidas ao mundo, eu deveria convocar uma coletiva de imprensa e pedir uma intervenção militar dos Estados Unidos para conter as violações de direitos humanos. Eu não era um contrarrevolucionário ou opositor, mas um professor e acadêmico conhecido no país. A credibilidade da minha aparição seria maior. Fiquei com um grande conflito interno neste período. Eu jamais iria fazer aquele pedido de intervenção militar dos Estados Unidos.
Raúl Capote: Quando essas imagens do “caos” em Cuba tivessem sido transmitidas ao mundo, eu deveria convocar uma coletiva de imprensa e pedir uma intervenção militar dos Estados Unidos para conter as violações de direitos humanos. Eu não era um contrarrevolucionário ou opositor, mas um professor e acadêmico conhecido no país. A credibilidade da minha aparição seria maior. Fiquei com um grande conflito interno neste período. Eu jamais iria fazer aquele pedido de intervenção militar dos Estados Unidos.
Sul21: O que aconteceu, então?
Raúl Capote: As coisas começaram a dar errado para eles muito rapidamente. Depois do anúncio do afastamento de Fidel, passaram-se alguns dias e não houve nenhum caos no país, que seguiu funcionando normalmente. Não houve manifestações, protestos, nada. As pessoas seguiram com suas vidas. O outro problema que ocorreu é que o médico escolhido para desencadear o levante ficou sabendo que os principais canais de Miami estavam dizendo que um opositor cubano chamado Darsi Ferrer iria se imolar pela democracia. Aquilo foi uma surpresa total, pois não estava em seus planos colocar fogo no próprio corpo e morrer. Ele ficou convencido que iam matá-lo e, no dia 13 de agosto, ao invés de ir ao lugar escolhido para a execução do plano, sai de casa e inventa uma desculpa para não ir até lá. E o projeto fracassa.
Raúl Capote: As coisas começaram a dar errado para eles muito rapidamente. Depois do anúncio do afastamento de Fidel, passaram-se alguns dias e não houve nenhum caos no país, que seguiu funcionando normalmente. Não houve manifestações, protestos, nada. As pessoas seguiram com suas vidas. O outro problema que ocorreu é que o médico escolhido para desencadear o levante ficou sabendo que os principais canais de Miami estavam dizendo que um opositor cubano chamado Darsi Ferrer iria se imolar pela democracia. Aquilo foi uma surpresa total, pois não estava em seus planos colocar fogo no próprio corpo e morrer. Ele ficou convencido que iam matá-lo e, no dia 13 de agosto, ao invés de ir ao lugar escolhido para a execução do plano, sai de casa e inventa uma desculpa para não ir até lá. E o projeto fracassa.
Sul21: Quando você abandona a condição
de agente duplo?
Raúl Capote: Em 2010, quando a Líbia entrou em situação de guerra civil, o governo cubano me pediu para participar de uma denúncia pública para que as pessoas ficassem sabendo como esse tipo de golpe é tramado. Era uma decisão muito difícil, pois trazia riscos para mim e para minha família. Mas aceitei a proposta e começamos a gravar um conjunto de programas chamado “As razões de Cuba”, onde um grupo de agentes como eu vai à televisão contar o que tinham vivenciado. O programa foi dividido em capítulos. O meu foi ao ar em 4 de abril de 2011, onde contei tudo isso na televisão.
Raúl Capote: Em 2010, quando a Líbia entrou em situação de guerra civil, o governo cubano me pediu para participar de uma denúncia pública para que as pessoas ficassem sabendo como esse tipo de golpe é tramado. Era uma decisão muito difícil, pois trazia riscos para mim e para minha família. Mas aceitei a proposta e começamos a gravar um conjunto de programas chamado “As razões de Cuba”, onde um grupo de agentes como eu vai à televisão contar o que tinham vivenciado. O programa foi dividido em capítulos. O meu foi ao ar em 4 de abril de 2011, onde contei tudo isso na televisão.
Sul21: Fora de Cuba, se fala muito da
situação de restrição de acesso à internet e às redes sociais na ilha, que
haveria controle e a população não teria livre acesso à rede. Qual é mesmo a
situação do acesso à internet em Cuba?
Raúl Capote: Sim, constantemente se acusa o governo cubano de não permitir o livre acesso à internet. É uma grande mentira. Se formos olhar os discursos de Fidel nos anos 90, veremos que a revolução cubana sempre defendeu o acesso livre à internet. O problema é que os donos da internet são os norte-americanos, Cuba está cercada de cabos submarinos de fibra ótica, mas não pode usá-los por causa do bloqueio. Cuba não tem acesso à tecnologia necessária para garantir o acesso à internet para todos os seus cidadãos por que as empresas são proibidas, pelos Estados Unidos, de negociar com Cuba. Em função desse quadro, o acesso à internet tornou-se muito caro para Cuba. E ela é lenta porque é preciso uma infraestrutura que garanta que o sinal chegue em todos os lugares do país. Nós acreditamos que a internet é uma ferramenta para defender e propagar a revolução. Os Estados Unidos não querem que Cuba tenha livre acesso à internet, porque sabem isso significaria que poderíamos divulgar muito mais nossas ideias também.
Raúl Capote: Sim, constantemente se acusa o governo cubano de não permitir o livre acesso à internet. É uma grande mentira. Se formos olhar os discursos de Fidel nos anos 90, veremos que a revolução cubana sempre defendeu o acesso livre à internet. O problema é que os donos da internet são os norte-americanos, Cuba está cercada de cabos submarinos de fibra ótica, mas não pode usá-los por causa do bloqueio. Cuba não tem acesso à tecnologia necessária para garantir o acesso à internet para todos os seus cidadãos por que as empresas são proibidas, pelos Estados Unidos, de negociar com Cuba. Em função desse quadro, o acesso à internet tornou-se muito caro para Cuba. E ela é lenta porque é preciso uma infraestrutura que garanta que o sinal chegue em todos os lugares do país. Nós acreditamos que a internet é uma ferramenta para defender e propagar a revolução. Os Estados Unidos não querem que Cuba tenha livre acesso à internet, porque sabem isso significaria que poderíamos divulgar muito mais nossas ideias também.
É impossível no mundo hoje que uma
sociedade se desenvolva sem a internet. Nós temos a Universidade de Ciências
Informáticas, que é uma das maiores da América Latina e forma todos os anos
milhares de engenheiros criadores de softwares e técnicos nesta área. É uma
universidade que se auto-financia com a venda desses softwares. Temos escolas
técnicas em todas as províncias que formam milhares de jovens para o uso das
redes sociais e das novas tecnologias. Apesar do alto custo que ainda
representa, a acesso e uso da internet em Cuba tem aumentado enormemente,
apesar de todos os bloqueios que ainda sofremos.
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26 DE NOVEMBRO DE 2015
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