Diet(ética) vegana – por Sônia T. Felipe
Dieta dos ratos
A
palavra dieta deriva do grego díaita que significa modo de viver.
Inclui todas as escolhas pessoais que tenham um princípio claro a
inspirar a busca de certos resultados coerentes com o que o princípio
estabelece. Por exemplo, se o princípio é o de viver sem causar
violência a nenhum outro ser vivo, tudo o que escolhemos deve se pautar
por esse princípio. Nesse sentido, os veganos escolhem viver sem usar,
explorar e matar animais para quaisquer propósitos. Por isso se pode
dizer que há uma díaita ou dieta vegana ou uma ética vegana.
Muito
do que seguimos em nossa dieta não resulta de nossas decisões. São
hábitos ou práticas que nos acostumaram a seguir desde muito pequenos.
Por ser tão natural fazer as coisas de certo modo, pensamos que então é
moral fazê-las desse modo e não de outro.
Comer, entre outros
hábitos herdados, é um dos mais arraigados em nossa mente. Antes mesmo
de nascermos já comemos pelo sangue de nossa progenitora os alimentos
que ela aprendeu a comer desde sua própria infância. Por isso é tão
difícil para muitas pessoas romper com a tradição diet(ética) de sua
família.
Além de termos sido condicionados aos sabores, aromas e
nutrientes presentes nos alimentos que nos deram para comer desde
sempre, quando crescemos passamos a receber muitas informações
medicinais comerciais sobre certos alimentos. A maioria dessas
informações é programada no meio científico.
O mais gritante
exemplo de propaganda medicinal de certos alimentos com certeza é o mito
criado pelos médicos e cientistas de que só temos proteína boa para
garantir a formação e reposição dos tecidos do nosso corpo se comermos
comidas animalizadas, carnes, leite, laticínios e ovos. Quando escrevo
“mito” estou sendo gentil.
Vou contar um pouco da história, para
que todos possam saber o quanto de suas crenças dietéticas está fundado
sobre pesquisas feitas, equivocadamente, em ratos, cujos resultados
foram imediatamente transpostos para orientar a dieta humana. Se nosso
metabolismo fosse igual ao dos ratos usados em experimentos
nutricionais, seríamos então ratos e ratazanas. Como não somos, comemos o
que nos disseram para comer. E sofremos todo tipo de doença causada
pela alimentação ovo-galacto-carnista.
A mentira deslavada contada
para todas as gerações que nasceram e viveram no século XX, algo que
continua a ser reproduzido pela comunidade médica vinculada ao
agronegócio, é que as únicas proteínas de boa qualidade para nutrir
organismos humanos são as fornecidas pelas carnes, ovos e leites ou seus
derivados.
Segundo o médico Dr. John McDougall (do Comitê dos
Médicos por uma Medicina Responsável), autor do livro The Starch
Solution (2012), um estudo levado a efeito em 1914 por Lafayette B.
Mendel e Thomas B. Osborne, em ratos, concluiu que as proteínas dos
alimentos animalizados servidos aos ratos eram superiores em qualidade
às proteínas dos alimentos vegetais. A conclusão foi tirada porque os
ratos cresceram mais rapidamente com as proteínas animalizadas do que
com as proteínas vegetais. Desde então a comunidade médica seguiu a
conclusão e passou a defender que os vegetais não possuem proteínas de
qualidade para garantir a saúde humana.
Aquele estudo feito em
ratos, entretanto, esqueceu de um pequeno detalhe: ratos alcançam seu
tamanho adulto em apenas 6 meses, enquanto humanos levam 17 anos para
alcançarem o tamanho adulto. Portanto, uma dieta boa para fazer crescer
rato, quer dizer, altamente concentrada na proteína, não pode ser
considerada ideal para garantir a saúde humana e aí estão as evidências
do quanto tal dieta contribuiu para a derrocada da saúde humana nas
últimas décadas. Ingerimos proteína em excesso, satisfazendo as vendas
desses produtos mas detonando nossa saúde.
No início do século XX
não se deu importância para esse pequeno e significativo detalhe, o de
que a espécie humana tem ao seu dispor quase duas décadas para o
crescimento do corpo, enquanto aguarda o desenvolvimento cerebral e
mental, antes de chegar ao tamanho de um exemplar adulto. Os ratos
precisam dar conta de sua vida com autonomia física em menos de um ano.
Os humanos não devem crescer e se tornar adultos a não ser quando seu
cérebro está desenvolvido e apto para cuidar do autoprovimento. Isso,
conforme bem o sabemos, requer quase duas décadas de vida, de comida
saudável (especialmente para nutrir o cérebro humano) e de espera
paciente.
Quanto maior o tamanho de uma criança, mais esperamos
dela comportamentos adequados à sua estatura. De ratos grandes esperamos
comportamentos de ratos adultos. Não é favorável ao desenvolvimento
psicossocial ou emocional de uma criança forçarmos sua mente a adotar
padrões típicos de adultos. Portanto, ser grande logo à partida, em vez
de representar uma vantagem ou um benefício para a criança, pode ser
fonte de sofrimento e de pressões que ela não está apta a suportar.
O
erro em usar ratos para obter padrões dietéticos para humanos não se
restringiu à questão do crescimento, completamente diferente entre uma e
outra espécie. Bioquimicamente, o estudo de Mendel e Osborne passou
batido na questão dos aminoácidos essenciais, aqueles que precisamos
obter através dos alimentos, porque nosso organismo ou o de outros
animais não está evoluído para sintetizá-los. Então, quando os
cientistas fizeram seu experimento com os ratos no início do século XX,
eles não se importaram em conferir se o organismo dos ratos sintetizava
ou não certos aminoácidos e se esses eram os mesmos sintetizados pelo
organismo humano.
Enquanto o organismo de ratos requer 10
aminoácidos essenciais, ao humano bastam 8 aminoácidos . Do total dos 20
aminoácidos que formam a famosa proteína, nosso organismo sintetiza 12 a
partir dos 8 obtidos dos alimentos. Não há um só aminoácido desses 20
necessários para compor a cadeia protéica que não possa ser obtido a
partir dos vegetais. E os aminoácidos essenciais vegetais, esses 8 que
são a base para a síntese dos outros 12, são absolutamente completos
para formar e repor todos os tecidos do nosso corpo. O resto é invenção
da propaganda medicinal de carnes, leite, laticínios e ovos. História
mal contada. Péssima. Os hospitais estão abarrotados de humanos sofrendo
de cardiopatias, diabetes, obesidade, hipertensão, reumatismos,
isquemias e câncer.
Dieta animalizada, boa para fazer ratos
crescerem rapidamente, nutre mal o organismo humano e o ameaça. Somado a
tudo isso, os animais usados para produção de carnes, leite e ovos
sofrem a agonia de uma vida privada de tudo o que diz respeito ao seu
espírito específico, além do tormento das mazelas que afetam seus
corpos. E ao comermos alimentos feitos de sua matéria corporal,
ingerimos o que não nos interessa, caso queiramos ter saúde e
longevidade.
Mais uma vez, testes e experimentos feitos em animais
visando obter padrão para humanos resultam em desastre para os milhões
de animais usados nos experimentos, que têm sua vida destruída pela
pesquisa biomédica, e também para os humanos que são levados a comer
algo que favorece o crescimento em tempo recorde, quando não precisamos
ficar grandes antes do tempo e sim inteligentes o suficiente para nos
conduzirmos em todas as questões com algum discernimento típico da
espécie humana, não de ratazanas.