Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:
Os jornais de terça-feira (17/6) derramam elogios ao desenrolar da Copa
do Mundo no Brasil. Alguns textos, como o editorial do Globo (ver
aqui),
ainda procuram destacar certos problemas remanescentes na estrutura que
foi construída ou reformada para o evento, acusando o ex-presidente
Lula da Silva de megalomania ao imaginar uma Copa maior que todas as
anteriores. Mas o conjunto das análises mostra que a imprensa finalmente
se rendeu ao espírito esportivo.
Trata-se de uma mudança importante, mas insuficiente
para dissimular o viés que acompanha, como uma sombra, quase tudo que se
torna notícia por aqui. Prevalece no material publicado o espírito
festivo imposto pelos torcedores, que transformam a disputa em alegre
confraternização, com irrelevantes e raros episódios de desentendimento,
quase todos protagonizados por argentinos que viajaram para as cidades
onde sua equipe se apresenta, sem ingressos para os jogos e sem reserva
nos hotéis.
Além disso, as partidas têm preenchido com grande profusão de gols e
jogadas memoráveis a expectativa que se cria com o confronto dos
melhores times nacionais de cada continente. A surpresa, elemento
fundamental na apreciação do futebol, tem feito suas aparições, o que
aumenta a alegria dos espectadores e produz o tipo de emoção capaz de
manter a competição restrita ao campo esportivo.
Mas a tarefa de analisar o desempenho da imprensa brasileira se
complica, mesmo no contexto em que o desejo de celebrar abafa as
objeções e os ensaios de protestos – justamente pela obsessão da mídia
de vincular todo e qualquer contratempo ao cenário das eleições de
outubro.
Têm esse aspecto, por exemplo, as vaias dirigidas contra a presidente
Dilma Rousseff por parte de espectadores presentes ao estádio do
Corinthians na quinta-feira (12/6). A grosseria, protagonizada
justamente nos camarotes que concentravam convidados VIP e onde o
ingresso chegava a custar mais de R$ 900, tem uma relação direta com o
clima beligerante insuflado nas camadas privilegiadas da população pela
própria imprensa.
Um tiro pela culatra
Imagens e relatos postados nas redes sociais mostram jornalistas, entre
eles uma colunista de jornal, e celebridades da televisão, gritando o
verso bizarro contra a presidente. Importante registrar que, no dia
seguinte, todos os jornais destacaram a vaia como se tivesse sido uma
manifestação espontânea de todo o estádio.
Nas mesmas edições, candidatos da oposição foram procurados para
reforçar a tese de que a manifestação de incivilidade era resultado de
uma suposta impopularidade da presidente da República. Somente no fim de
semana apareceram os primeiros textos colocando em questão o aspecto
básico de que em nenhuma circunstância se poderia tolerar tamanha falta
de educação. Manifestações como o do presidente do Supremo Tribunal
Federal, Joaquim Barbosa, condenando esse comportamento, substituíram as
declarações oportunistas ligadas às candidaturas do senador Aécio Neves
(PSDB) e do ex-governador Eduardo Campos (PSB).
Ne terça-feira (17), quando a seleção brasileira volta a campo para
enfrentar o time do México, os jornais reproduzem análises de
especialistas dando conta de que o resultado das vaias foi um tiro pela
culatra: alguns textos afirmam que o ataque pode ter produzido um efeito
benéfico na apreciação da presidente da República, porque muitos
cidadãos passaram a considerar que ela foi injustiçada.
Considera-se que a Copa vem sendo um sucesso de organização e de
emoções, e, afinal, a presidente não entra em campo para chutar a bola.
O que falta à imprensa é certa autocrítica para assumir que, ao abrigar
em suas páginas e nas telas certos colunistas que trocam o jornalismo
pela panfletagem, está insuflando a irracionalidade e apostando no
aumento da virulência com que se debatem as ideias políticas por aqui.
As vaias saíram das bocas de gente com alta escolaridade e nenhuma
educação básica. Não exagera quem afirmar que esses indivíduos
socialmente desqualificados se consideram a nata da sociedade e são
daqueles que costumam engrossar o coro da viralatice que rejeita a
identidade nacional.
É nessa elite rastaquera que os jornais depositam suas esperanças?