As evidências sobre a existência de Deus são muito mais plausíveis do
que as que O negam. Essa afirmação foi feita recentemente pelo filosofo
cristão norte-americano
William Lane Craig (na foto abaixo)
quando esteve recentemente no Brasil para participar de um simpósio.
Para ele, a razão é superior à ciência e, através dela, é possível
acreditar em Deus.
Craig é um polemista que gosta de debater principalmente com ateus. No
ano passado, quando esteve na Grã-Bretanha, ele desafiou o cientista e
militante ateu Richard Dawkins para um debate. O britânico disse que não
aceitaria debater com alguém como Craig, que defende o genocídio
bíblico. Craig disse que o ateu evitou o confronto por covardia.
Na entrevista que concedeu em Água de Lindóia (SP) a Marco Túlio Pires,
da Veja.com, Craig fala sobre essa questão do genocídio, entre outras.
Segue a entrevista.
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Para Craig, a moral vem do Deus dos cristãos |
Por que deveríamos acreditar em Deus?
Porque os argumentos e evidências que apontam para a Sua existência são
mais plausíveis do que aqueles que apontam para a negação. Vários
argumentos dão força à ideia de que Deus existe. Ele é a melhor
explicação para a existência de tudo a partir de um momento no passado
finito, e também a para o ajuste preciso do universo, levando ao
surgimento de vida inteligente. Deus também é a melhor explicação para a
existência de deveres e valores morais objetivos no mundo. Com isso,
quero dizer valores e deveres que existem independentemente da opinião
humana.
Se Deus é bondade e justiça, por que ele não criou um universo perfeito onde todas as pessoas vivem felizes?
Acho que esse é o desejo de Deus. É o que a Bíblia ensina. O fato de que
o desejo de Deus não é realizado implica que os seres humanos possuem
livre-arbítrio. Não concordo com os teólogos que dizem que Deus
determina quem é salvo ou não. Parece-me que os próprios humanos
determinam isso. A única razão pela qual algumas pessoas não são salvas é
porque elas próprias rejeitam livremente a vontade de Deus de
salvá-las.
Alguns cientistas argumentam que o livre-arbítrio não existe. Se esse for o caso, as pessoas poderiam ser julgadas por Deus?
Não, elas não poderiam. Acredito que esses autores estão errados. É
difícil entender como a concepção do determinismo pode ser racional. Se
acreditarmos que tudo é determinado, então até a crença no determinismo
foi determinada. Nesse contexto, não se chega a essa conclusão por
reflexão racional. Ela seria tão natural e inevitável como um dente que
nasce ou uma árvore que dá galhos. Penso que o determinismo,
racionalmente, não passa de absurdo. Não é possível acreditar
racionalmente nele. Portanto, a atitude racional é negá-lo e acreditar
que existe o livre-arbítrio.
O senhor defende em seu site uma passagem do Velho Testamento em que
Deus ordena a destruição da cidade de Canaã, inclusive autorizando o
genocídio, argumentando que os inocentes mortos nesse massacre seriam
salvos pela graça divina. Esse não é um argumento perigosamente próximo
daqueles usados por terroristas motivados pela religião?
A teoria ética desses terroristas não está errada. Isso, contudo, não
quer dizer que eles estão certos. O problema é a crença deles no deus
errado. O verdadeiro Deus não ordena atos terroristas e, portanto, eles
estariam cometendo uma atrocidade moral. Quero dizer que se Deus decide
tirar a vida de uma pessoa inocente, especialmente uma criança, a Sua
graça se estende a ela.
Se o terrorista é cristão o ato terrorista motivado pela religião é justificável, por ele acreditar no Deus ‘certo’?
Não é suficiente acreditar no deus certo. É preciso garantir que os
comandos divinos estão sendo corretamente interpretados. Não acho que
Deus dê esse tipo de comando hoje em dia. Os casos do Velho Testamento,
como a conquista de Canaã, não representam a vontade normal de Deus.
O sr. está querendo dizer que Deus também está sujeito a variações
de humor? Não é plausível esperar que pelo menos Ele seja consistente?
Penso que Deus pode fazer exceções aos comandos morais que dá. O
principal exemplo no Velho Testamento é a ordem que ele dá a Abraão para
sacrificar seu filho Isaque. Se Abraão tivesse feito isso por
iniciativa própria, isso seria uma abominação. O deus do Velho
Testamento condena o sacrifício infantil. Essa foi uma das razões que o
levou a ordenar a destruição das nações pagãs ao redor de Israel. Elas
estavam sacrificando crianças aos seus deuses. E, no entanto, Deus dá
essa ordem extraordinária a Abraão: sacrificar o próprio filho Isaque.
Isso serviu para verificar a obediência e fé dele. Mas isso é a exceção
que prova a regra. Não é a forma normal com que Deus conduz os assuntos
humanos. Mas porque Deus é Deus, Ele tem a possibilidade de abrir
exceções em alguns casos extremos, como esse.
O sr. disse que não é suficiente ter o deus certo, é preciso fazer a
interpretação correta dos comandos divinos. Como garantir que a sua
interpretação é objetivamente correta?
As coisas que digo são baseadas no que Deus nos deu a conhecer sobre si
mesmo e em preceitos registrados na Bíblia, que é a palavra d’Ele.
Refiro-me a determinações sobre a vida humana, como “não matarás”. Deus
condena o sacrifício de crianças, Seu desejo é que amemos uns ao outros.
Essa é a Sua moral geral. Seria apenas em casos excepcionalmente
extremos, como o de Abraão e Isaque, que Deus mudaria isso. Se eu achar
que Deus me comandou a fazer algo que é contra o Seu desejo moral geral,
revelado na escritura, o mais provável é que eu tenha entendido errado.
Temos a revelação do desejo moral de Deus e é assim que devemos nos
comportar.
O sr. deposita grande parte da sua argumentação no conteúdo da
Bíblia. Contudo, ela foi escrita por homens em um período restrito, em
uma área restrita do mundo, em uma língua restrita, para um grupo
específico de pessoas. Que evidência se tem de que a Bíblia é a palavra
de um ser sobrenatural?
A razão pela qual acreditamos na Bíblia e sua validade é porque
acreditamos em Cristo. Ele considerava as escrituras hebraicas como a
palavra de Deus. Seus ensinamentos são extensões do que é ensinado no
Velho Testamento. Os ensinamentos de Jesus são direcionados à era da
Igreja, que o sucederia. A questão, então, se torna a seguinte: temos
boas razões para acreditar em Jesus? Ele é quem ele diz ser, a revelação
de Deus? Acredito que sim. A ressurreição dos mortos, por exemplo,
mostra que ele era quem afirmava.
Existem provas que confirmem a ressurreição de Jesus?
Temos boas bases históricas. A palavra ‘prova’ pode ser enganosa porque
muitos a associam com matemática. Certamente, não temos prova matemática
de qualquer coisa que tenha acontecido na história do homem. Não temos
provas, nesse sentido, de que Júlio César foi assassinado no senado
romano, por exemplo, mas temos boas bases históricas para isso. Meu
argumento é que se você considera os documentos do Novo Testamento como
fontes da história antiga, — como os historiadores gregos Tácito,
Heródoto ou Tucídides — o evangelho aparece como uma fonte histórica
muito confiável para a vida de Jesus de Nazaré. A maioria dos
historiadores do Novo Testamento concorda com os fatos fundamentais que
balizam a inferência sobre a ressurreição de Cristo. Coisas como a sua
execução sob autoridade romana, a descoberta das tumbas vazias por um
grupo de mulheres no domingo depois da crucificação e o relato de vários
indivíduos e grupos sobre os aparecimentos de Jesus vivo após sua
execução. Com isso, nos resta a seguinte pergunta: qual é a melhor
explicação para essa sequência de acontecimentos? Penso que a melhor
explicação é aquela que os discípulos originais deram — Deus fez Jesus
renascer dos mortos. Não podemos falar de uma prova, mas podemos
levantar boas bases históricas para dizer que a ressurreição é a melhor
explicação para os fatos. E como temos boas razões para acreditar que
Cristo era quem dizia ser, portanto temos boas razões para acreditar que
seus ensinamentos eram verdade. Sendo assim, podemos ver que a Bíblia
não foi criação contingente de um tempo, de um lugar e de certas
pessoas, mas é a palavra de Deus para a humanidade.
O textos da Bíblia passaram por diversas revisões ao longo do tempo.
Como podemos ter certeza de que as informações às quais temos acesso
hoje são as mesmas escritas há 2.000 anos? Além disso, como lidar com o
fato de que informações podem ser perdidas durante a tradução?
Você tem razão quanto a variedade de revisões e traduções. Por isso, é
imperativo voltar às línguas originais nas quais esses textos foram
escritos. Hoje, os críticos textuais comparam diferentes manuscritos
antigos de modo a reconstruir o que os originais diziam. O Novo
Testamento é o livro mais atestado da história antiga, seja em termos de
manuscritos encontrados ou em termos de quão próximos eles estão da
data original de escrita. Os textos já foram reconstruídos com 99% de
precisão em relação aos originais. As incertezas que restam são
trivialidades. Por exemplo, na Primeira Epístola de João, ele diz:
“Estas coisas vos escrevemos, para que o vosso gozo se cumpra”. Mas
alguns manuscritos dizem: “Estas coisas vos escrevemos, para que o nosso
gozo se cumpra”. Não temos certeza se o texto original diz ‘vosso’ ou
‘nosso’. Isso ilustra como esse 1% de incerteza é trivial. Alguém que
realmente queira entender os textos deverá aprender grego, a língua
original em que o Novo Testamento foi escrito. Contudo, as pessoas
também podem comprar diferentes traduções e compará-las para perceber
como o texto se comporta em diferentes versões.
É possível explicar a existência de Deus apenas com a razão? Qual o papel da ciência na explicação das causas do universo?
A razão é muito mais ampla do que a ciência. A ciência é uma exploração
do mundo físico e natural. A razão, por outro lado, inclui elementos
como a lógica, a matemática, a metafísica, a ética, a psicologia e assim
por diante. Parte da cegueira de cientistas naturalistas, como Richard
Dawkins, é que eles são culpados de algo chamado ‘cientismo’. Como se a
ciência fosse a única fonte da verdade. Não acho que podemos explicar
Deus em sua plenitude, mas a razão é suficiente para justificar a
conclusão de que um criador transcendente do universo existe e é a fonte
absoluta de bondade moral.
Por que o cristianismo deveria ser mais importante do que outras
religiões que ensinam as mesmas questões fundamentais, como o amor e a
caridade?
As pessoas não entendem o que é o cristianismo. É por isso que alguns
ficam tão ofendidos quando se prega que Jesus é a única forma de
salvação. Elas pensam que ser cristão é seguir os ensinamentos éticos de
Jesus, como amar ao próximo como a si mesmo. É claro que não é preciso
acreditar em Jesus para se fazer isso. Isso não é o cristianismo. O
evangelho diz que somos moralmente culpados perante Deus.
Espiritualmente, somos separados d’Ele. É por isso que precisamos
experimentar Seu perdão e graça. Para isso, é preciso ter um substituto
que pague a pena dos nossos pecados. Jesus ofereceu a própria vida como
sacrifício por nós. Ao aceitar o que ele fez em nosso nome, podemos ter o
perdão de Deus e a limpeza moral. A partir disso, nossa relação com
Deus pode ser restaurada. Isso evidencia por que acreditar em Cristo é
tão importante. Repudiá-lo é rejeitar a graça de Deus e permanecer
espiritualmente separado d’Ele. Se você morre nessa condição você ficará
eternamente separado de Deus. Outras religiões não ensinam a mesma
coisa.
A crença em Deus é necessária para trazer qualidade de vida e felicidade?
Penso que a crença em Deus ajuda, mas não é necessária. Ela pode lhe dar
uma fundação para valores morais, propósito de vida e esperança para o
futuro. Contudo, se você quiser viver inconsistentemente, é possível ser
um ateu feliz, contanto que não se pense nas implicações do ateísmo. Em
última análise, o ateísmo prega que não existem valores morais
objetivos, que tudo é uma ilusão, que não há propósito e significado
para a vida e que somos um subproduto do acaso.
Por que importa se acreditamos no deus do cristianismo ou na ‘mãe
natureza’ se na prática as pessoas podem seguir, fundamentalmente, os
mesmos ensinamentos?
Deveríamos acreditar em uma mentira se isso for bom para a sociedade? As
pessoas devem acreditar em uma falsa teoria, só por causa dos
benefícios sociais? Eu acho que não. Isso seria uma alucinação. Algumas
pessoas passam a acreditar na religião por esse motivo. Já que a
religião traz benefícios para a sociedade, mesmo que o indivíduo pense
que ela não passa de um ‘conto de fadas’, ele passa a acreditar. Digo
que não. Se você acha que a religião é um conto de fadas, não acredite.
Mas se o cristianismo é a verdade — como penso que é — temos que
acreditar nele independente das consequências. É o que as pessoas
racionais fazem, elas acreditam na verdade. A via contrária é o
pragmatismo. “Isso Funciona?", perguntam elas. "Não importa se é
verdade, quero saber se funciona”. Não estou preocupado se na Suécia
alguns são felizes sem acreditar em Deus ou se há alguma vantagem em
acreditar n’Ele. Como filósofo, estou interessado no que é verdade e me
parece que a existência desse ser transcendente que criou e projetou o
universo, fonte dos valores morais, é a verdade.
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