Livros Proibidos da Bíblia: Enoque
O ano era 325 d. C. e a cidade era Nicéia de Bitínia onde, liderados por
Constantino, os cristãos realizavam uma reunião para acertar os
detalhes da "oficialização" do cristianismo. Conhecido como o "Concílio
de Nicéia" essa reunião definiu datas, organizou festas, discutiu
legalidades e, entre outras coisas, definiu o cânone bíblico, ou quais
livros entrariam naquilo que hoje chamamos de Bíblia. Alguns dizem que
foi mais por questões políticas do que teológicas ou doutrinárias mas,
os livros "divinamente inspirados" entraram para o cânone e os
"apócrifos", sem inspiração divina ou, ainda pior, redigidos pelo
demônio em pessoa, foram descartados, alguns destruídos e outros
trancados nos porões do Vaticano por séculos.
Neste conglomerado estavam algumas histórias capazes de provocar
calafrios no cristão mais fervoroso, evangelhos diversos, segundo Pedro,
Maria Madalena, Thiago e o medonho evangelho segundo Tomé, além de
livros que contiam " informação demais" para os fiéis, foram deixados no
"calabouço" para não deixarem margem de dúvida sobre a fé que se
organizava.
Um desses livros com informações "sobrando" é o de Enoque.
Mas quem é Enoque?
Enoque segundo a bíblia é bisavô de Noé, esse mesmo que o leitor deve
estar pensando, o do dilúvio. Enoque era pai de Matusalém, avô de
Lameque( filho de Matusalém) e bisavô de Noé ( filho de Lameque); a
bíblia não dá detalhes sobre Enoque, só diz que ele andou com Deus e não
foi mais visto, por que Deus o arrebatou aos céus.
Cristãos etíopes aceitam e mantêm o livro de Enoque em sua bíblia, e os
manuscritos encontrados na cidade Qumram, na gruta 7, corroboram e
completam aqueles dos etíopes. No entanto para o Vaticano os livros e
manuscritos não possuíam valor "divino", com certeza uma desculpa para
as histórias embaraçosas encontradas nos relatos do bisavô do messias
diluviano.
A começar pela contradição da história mais importante, depois da
crucificação, para o cristianismo moderno: a invenção de Lúcifer.
Antes do século XIII a figura do diabo não existia( basta o amigo leitor
procurar o post: Histórias estranhas da bíblia: o diabo) e foi criado
para assustar os cristãos medievais, cheios de dinheiro é bom lembrar.
Mas antes do século XIII o problema não era o diabo em si, mas a
cabeluda história dos "filhos de Deus" fazendo sexo com mulheres. Isso
amigo leitor, os filhos de Deus, entenda-se ANJOS, transando com as
mulheres e gerando filhos com elas? No mínimo embaraçoso.
Gênesis cap 5
Além disso Enoque não fala de um anjo luminoso que era praticamente um
"vice Deus", segundo uma hierarquia celeste, que foi tomado pela inveja e
foi expulso por Deus do céu (?). Em lugar disso Enoque relata a
história de Azazyel e Samyaza. Dois "capitães" do "exército" divino(?)
que ao verem as mulheres descem e as tomam como esposas, trazendo
consigo seus respectivos batalhões.
Agora faço ao leitor algumas perguntas:
Anjos fazendo sexo?
Exército, batalhão, capitães?
Dois insurgentes e não um?
Creio que ia ser mesmo muito trabalho explicar tudo isso, foi mais fácil inventar o diabo e banir o livro de Enoque.
O relato diz ainda que Deus não permitiu o retorno de seus capitães e
seus comandados ao céu e condenou-os a ficarem aqui na terra, que seus
filhos semi-anjos destruíam cidades inteiras apenas com os braços, que
devoravam plantações em poucas horas, que eram bestas perigosas e que
teria sido este o motivo do dilúvio. Que contradiz o Genesis mosaico
onde o motivo da destruição aquática é a maldade dos homens. Note
também, amigo leitor, que o velho machismo está presente aqui, as
mulheres eram a culpa da descida dos anjos e seus filhos eram a razão do
dilúvio, típico da mentalidade da época.
De fato outra parte do livro de Enoque que contradiz o Gênesis de Moisés é sobre quem trouxe conhecimentos aos homens.
Moisés diz que foram os descendentes de Caim: Jabal, Jubal e Tubal-Caim
que desenvolveram a arte, a guera, a cultura, a criação de gado, etc;
utilizando-se da alegoria de que o pecado de Adão separou o homem de
Deus e, consequentemente, este teria que aprender coisas para sobreviver
mas, que cada novo aprendizado afastaria ainda mais a criatura do
criador.
Já Enoque diz quem foram os anjos e onde eles lhe deram estes
conhecimentos que deveriam ser anotados, metodicamente, em seu livro e,
posteriormente ensinados aos homens. Não como um fruto do pecado, mas
como um presente para melhorar a vida humana, habilidades necessárias a
sua sobrevivência.
Com toda certeza não seria do agrado da recém formada cristandade
utilizar-se de livros contraditórios entre si para doutrinar sua igreja
emergente.
Assim como vários outros autores Enoque foi condenado ao esquecimento
por vários séculos, proibido e visto como um perigo aos desígnios da fé
que surgia.
Hoje não é incomum ver cristãos falando da inutilidade dos textos
apócrifos, que assim foram taxados por pessoas com medo de seu poder, e
de o quanto eles são heréticos.
Esses cristãos não se atém ao fato de que foi sua própria igreja, em um
ato puramente político, que definiu o que era ou não "santo" para fazer
parte da "palavra de Deus"; fazendo escolhas apoiadas em quem era mais
influente ou não na ocasião do concílio.
Ora... parece muito mais politicagem do que " divinismo". Os fiéis
aceitam, defendem e até travam batalhas na afirmação de que a bíblia é,
invariavelmente, a palavra viva que saiu dos lábios de Deus. Mas se
procurarem na história do cristianismo vão perceber que Deus, no caso de
sua (im)provável existência, deve ter acompanhado, nauseado, as
escolhas e coisas feitas em seu nome.
No fim todos esses livros são histórias fantasiosas, delírios pessoais
ou coletivos, provas (fictícias) do poder, justiça e vontade divina. Em
um oceano, ainda indecifrável, chamado cérebro humano, capaz de feitos
extraordinários que não podemos compreender. Que atravessaram mais de
seis milênios influenciando a vida e morte de bilhões de pessoas e,
mesmo hoje, com nossa tecnologia e conhecimento, segue no imaginário
coletivo, com uma força tão poderosa que ainda sobrepuja as emoções
humanas e, mesmo sem provas de sua existência, está presente em seus
sentimentos, governando seu dia a dia, trazendo conforto a suas vidas e
mantendo a ordem do ciclo de predação e destruição instituído por
ninguém menos que nós mesmos.