Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
POSTADO POR CASTOR FILHO
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Georg Lukács por Liberati |
Excerto de Capitalism and Class Consciousness (aqui traduzido)
Um filósofo ativista
Lukács
tornou-se revolucionário e marxista durante a maior onda de luta da
classe trabalhadora em toda a história, desencadeada pela Revolução
Russa ao final da Iª Guerra Mundial. Já conhecido como intelectual na
Hungria, meses antes de unir-se ao recém criado Partido Comunista da
Hungria em dezembro de 1918, descobriu-se de repente como líder, nos
eventos que levaram à breve república soviética da Hungria, em 1919. Foi
Comissário do Povo para a Educação e por um curto período de tempo,
comissário político no front de combate.
A
República dos Trabalhadores Húngaros terminou em desastre. Aconteceu
assim, como o próprio Lukács reconheceu adiante, porque a República era
instável desde o início. O Partido Comunista da Hungria iniciou um
insurreição, em fevereiro de 1919, muito antes de ter apoio da maioria
dos conselhos de trabalhadores. O levante foi esmagado, quando ficou
claro que radicalização de massa jamais seria substituto de preparação
política. Ao mesmo tempo, a militância de camponeses e trabalhadores, e a
anexação de partes do país por potências estrangeiras, levaram ao
colapso do governo burguês, o que gerou um vácuo de poder.
A
República Soviética Húngara nasceu em março de 1919, de uma fusão entre
os comunistas e o Partido Social Democrático (PSD), partido reformista.
A classe governante delegou poderes ao PSD, num derradeiro esforço para
salvar o sistema. Lukács e a liderança do Partido Comunista
interpretaram a nova aliança de reformistas e revolucionários como uma
restauração espontânea da unidade proletária; de fato, como depois se
constatou, não passou de receita para confusão e desastre.
Os
líderes do Partido Comunista agiram como se estivessem num governo
revolucionário, forçando a nacionalização da terra, sem qualquer
preocupação com o que pensavam ou desejavam os camponeses; e a maioria
dos operários permaneceu sob a liderança do partido reformista. Diante
de novos ataques da aliança de poderes contrarrevolucionários, os
líderes do PSD logo capitularam; e os comunistas ficaram isolados, sem
qualquer apoio. Logo se constituiu um governo reacionário, que
desencadeou campanha de terror contra a esquerda, executando mais de 5
mil e expulsando do país dezenas de milhares de militantes.
Lukács escreveu seus trabalhos chaves dos anos 1920s – Lênin: Estudo sobre a unidade de seu pensamento [em espanhol, em Rebelión], História e Consciência de Classe e Em defesa de História e Consciência de Classe: o Seguidismo e a Dialética[em espanhol em Libro español] logo
depois dessa experiência, enquanto viveu como exilado, em Viena. Hoje
se vê com clareza que aquele foi momento decisivo para o movimento
socialista. Antes da guerra, o movimento socialista mundial se
organizara na IIª Internacional, cuja completa acomodação no sistema
vê-se claramente no apoio que os partidos principais deram à Iª Guerra
Mundial. Os russos bolcheviques puseram-se contra essa traição, e
lideraram uma revolução bem-sucedida, que se tornou inspiração para
milhões em todo o mundo.
Os dois livros de Luckács, História e Consciência de Classe e Lênin: Estudo sobre a Unidade de seu Pensamento,
manifestam o potencial revolucionário do momento, e o medo de que
ninguém estivesse cuidando de extrair as lições daquela experiência. Em
1925, quando Lukács escreveu O Seguidismo e a Dialética, havia sinais de que o isolamento da revolução russa estava estimulando uma nova modalidade de fatalismo.
A vida sob o capitalismo
Em História e Consciência de Classe,
Lukács discute o papel das instituições do capitalismo, como elementos
de mediação. Mas expõe – como resultado da experiência vivida do
capitalismo –, a capacidade que essas instituições têm para
assegurarem-se a aquiescência dos trabalhadores. Explica também como e
por quê essa mesma experiência vivida do capitalismo pode criar
oposições.
O
ponto de partida de Lukács é o fato de que o capitalismo converte tudo
em mercadoria, uma unidade de produto cujo objetivo é gerar lucros para
os capitalistas. Lukács argumenta que não é acaso que a mercadoria tenha
sido também o ponto do qual Marx partiu, em seus trabalhos principais,
quando decidiu “expor a nu a natureza fundamental da sociedade capitalista”:
O problema das
mercadorias não deve ser considerado isoladamente nem considerado
problema central da economia, mas como problema central, estrutural da
sociedade capitalista em todos os seus aspectos. Só assim se consegue
ver como a estrutura das relações de mercadoria é um modelo para todas
as formas objetivas da sociedade burguesa, com todas as formas
subjetivas que lhes correspondem.
[Luckács, História e Consciência de Classe].
A
produção da mercadoria modela o modo como experienciamos e
compreendemos o mundo. Ela reduz qualidade a quantidade e esconde o
processo generalizado de exploração num mundo imediato de comprar e
vender. Ecoando as palavras de Marx em Capital, Lukács descreveu como a mercadorização tem o efeito de dar às relações entre as pessoas o caráter de coisas: a conversão em mercadoria [a mercadorização] reifica [transforma em coisa] todas as relações.
Nesse
processo, as relações adquirem uma “objetividade fantasma” e uma
autonomia “que parece tão estritamente racional e extensiva a tudo, a
ponto de ocultar todo e qualquer traço da natureza fundamental daquelas
relações”. Por isso as mercadorias têm o que Marx chamou de
“caráter de um fetiche”. Como os fetiches primitivos que os homens
criaram e imediatamente passaram a adorar como se fossem deuses, as
mercadorias vieram para nos comandar e comandar nossa vida, apesar de
serem criadas por nós.
Só
se consegue perceber o total impacto desse processo de reificação
quando entendemos que a condição essencial para a vitória da forma
mercadoria é a transformação do próprio trabalho, em mercadoria. Se o
valor dos bens será determinado pelo tempo de trabalho necessário para
produzi-lo, a força de trabalho tem de ser totalmente integrada nesse
sistema racional universalmente quantificado. O trabalhador tem de
vender sua força de trabalho, como qualquer outra mercadoria, no
mercado.
Nem
objetivamente nem em relação com seu trabalho, o homem aparece como
autêntico senhor do processo; ao contrário, ele é uma parte mecânica
incorporada num sistema mecânico. O homem descobre que o sistema é
pré-existente e autossuficiente, que funciona independente dele, e o
homem tem de se conformar às suas leis, goste ou não goste.
[Luckács, História e Consciência de Classe].
A
mercadorização modela o próprio processo físico do trabalho e também a
compreensão que temos dele. O trabalho torna-se dominado pela
racionalização, uma alta divisão do trabalho, repetição e obsessão com a
quantidade, não com a qualidade. O artigo acabado já não parece ser
objeto de processo algum. O processo fragmentado de produção do objeto
acaba por produzir um sujeito fragmentado:
À personalidade
nada resta a fazer, além de olhar desconsoladamente, enquanto sua
própria existência é reduzida a uma partícula isolada inserida num
sistema alienado.
[Luckács, História e Consciência de Classe].
A
reificação então tem três efeitos que se reforçam mutuamente sobre a
consciência. Ela oculta, esconde, as reais relações humanas do
capitalismo; faz o sistema parecer como se fosse comandado por uma
lógica pré-ordenada, inumana; e faz os trabalhadores sentirem-se sem
forças para fazer coisa alguma.
Muito já observaram que Lukács, pela leitura que faz de Capital, chegou a um conceito quase idêntico à ideia de alienação que aparece em Manuscritos Econômico-filosóficos de Marx, escritos em 1844, mas só publicados em 1932.
Mas
Luckács fez mais que isso. Luckács abriu novos caminhos, ao mostrar
como a reificação permeia toda a sociedade capitalista e lançou as bases
para a primeira “estrutura unificada de consciência na história”.
Explorou, inclusive, as implicações disso tudo para a política radical.
Para
Lukács, o estado mental gerado pela experiência do trabalho na ponta
final da produção capitalista aparece difundido por todas as
instituições da sociedade capitalista.
A atomização dos
indivíduos é, então, só o reflexo na consciência do fato de que as
‘leis naturais’ da produção capitalista foram estendidas para cobrir
toda e qualquer manifestação de vida em sociedade; que, pela primeira
vez na história toda a sociedade é submetida ou tende a ser submetica a
um processo econômico unificado, e o destino de cada membro da sociedade
é determinado por leis econômicas unificadas.
[Luckács, História e Consciência de Classe].
Para Lukács, por exemplo, as burocracias são corolários do sistema das fábricas:
Burocracia
implica ajustamento ao modo de vida de alguém, ao seu modo de trabalhar
e, pois, à sua consciência, às premissas socioeconômicas gerais da
economia capitalista, semelhante à que se viu no caso do empregado que
trabalha para patrão privado. A padronização formal da justiça, do
estado, do funcionalismo público etc. significa objetivamente e
factualmente uma redução comparável de todas as funções sociais aos seus
elementos, uma busca comparável pelas leis racionais formais desses
sistemas parciais cuidadosamente segregados.
[Luckács, História e Consciência de Classe].
Assim,
muito mais que nos locais de trabalho que visa ao lucro, também nas
instituições de toda a sociedade as tarefas são reduzidas a funções
quantificáveis, à taxa de transferência efetiva de um sistema, em
processos que ganham autonomia em relação à pessoa, à personalidade e,
portanto, em relação à razão/juízo humano. Mesmo para os que lidam
diretamente com outros seres humanos, perdeu-se o senso de objetivo mais
amplo, e todo o sentido de causa e efeito foi apagado.
Lukács oferece como exemplo dessa reificação máxima os
jornalistas cujos poderes de empatia, juízos, conhecimentos e expressão
são artificialmente separados da personalidade, e que são postos num
“isolamento” suposto “isento” antinatural, quando confrontados aos fatos
ou eventos que têm de “noticiar”.
A
“isenção” de que os jornalistas fazem meio de vida, a prostituição das
próprias experiências e crenças pessoais, só são compreensíveis como
apogeu da reificação capitalista.
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Escreve
extensamente sobre o movimento antiguerra e do movimento
antineoliberal, bem como sobre os meios de comunicação, modernismo e
teoria cultural.
Lukács
oferece como exemplo dessa reificação máxima os jornalistas, cujos
poderes de empatia, juízos, conhecimentos e expressão são
artificialmente separados da personalidade; e que são postos num
“isolamento” suposto “isento” antinatural, quando confrontados aos fatos
ou eventos que têm de “noticiar”. A “isenção” de que os jornalistas
fazem meio de vida, a prostituição das próprias experiências e crenças
pessoais, só são compreensíveis como apogeu da reificação capitalista.
Georg
Lukács foi o maior teórico da revolução no século XX. No processo de
explicar os princípios da Revolução Russa, Lukács respondeu a algumas
perguntas vitais: Como as ideias capitalistas tomam conta de nossa
consciência? Em que circunstâncias as pessoas se tornam radicais? E como
os socialistas podem construir genuínos movimentos revolucionários de
massa?
As
ideias revolucionárias de Lukács dos anos 1920s foram reprimidas por
Stálin e marginalizadas pela Academia e até por muitos no campo da
esquerda. Tiveram uma espécie de vida “clandestina”, mas reemergindo
sempre que se discutia mudança fundamental. Esse livro é uma introdução
às ideias de Lukács e argumenta que elas são crucialmente importantes
para explicar e compreender nosso mundo contemporâneo de crises e
guerra.