domingo, 16 de dezembro de 2018

A Mídia em Novo Golpe

Novo golpe da mídia
O caminho já se antevê. O motorista vai pagar o pato, mas o caso não vai abalar o presidente, que apenas vai ter em mente com quem se meteu / Foto: Tania Rego/Agência Brasil
Partidos e imprensa querem apenas lembrar quem dá as cartas
É preciso louvar quem tem competência. A mídia comercial familiar brasileira, que agora escolheu para si o sobrenome “profissional”, ajudou a conceber o golpe, foi protagonista destacada, atuou como instrumento de manipulação, resumiu o mundo à defesa de valores neoliberais e criminalizou os movimentos populares. Ajudou a fraturar a democracia e a eleger um fascista para a presidência da República, mesmo que para isso banisse de seu vocabulário político o fascismo ou mesmo a extrema direita. Fez o dever de casa.
Consumado o serviço, antes mesmo de receber seu pagamento, essa mesma mídia se viu acossada pelo mito que ajudou a eleger, que do alto do misto de ignorância e arrogância achou de entender que não deve nada a ninguém, que os tempos que correm não precisam de “intermediação”. Que, na melhor tradição populista de direita, fala diretamente com o povo. Deu uma banana para os políticos e para a imprensa. A reação não tardou. A ética da máfia é cortante e, esta sim, sem intermediação: perdoa-se tudo, menos a deslealdade à família e as dívidas tácitas.
Os partidos políticos fisiológicos, depois de um conveniente período de silêncio, já começam a colocar as asinhas de fora. Ficaram sem ministérios, mas no beija-mão diário ao comitê de transição vão deixando nas entrelinhas sua mensagem: ruim com eles, pior sem eles. A estratégia da negociação por bancadas em vez de siglas não garante voto no plenário. A pressão popular, se houver, no início do mandato terá muito tempo para ser absorvida até novas eleições. Para mostrar que o jogo não está jogado, soltam pequenas pautas-bomba para marcar território.
A imprensa também começa a reagir depois da lua-de-mel com o presidente eleito. Em matéria de jornalismo, lua-de-mel não significa apoio, mas leniência, boa vontade, amnésia seletiva. Foi o que Bolsonaro ganhou dos autoproclamados profissionais. Seus ataques à democracia foram relevados como bizarrices morais em nome de valores mais importantes no campo econômico. Engoliu-se o medievalismo de costumes em favor da pauta financeira. A teocracia conservadora foi tolerada para calçar a tecnocracia ultraliberal. De um lado Salém, de outro Chicago.
No entanto, o capitão não parece ter entendido as regras e soltou os cachorros contra a mídia, inclusive com ameaças explícitas de cortar a publicidade oficial. Escolheu alguns veículos para mandar mensagens para todos. Como no caso dos políticos preteridos pela jactância de quem julga perorar diretamente ao coração do povo, a reação das empresas de comunicação não demorou. A sabedoria da mídia foi não contestar o presidente, mas atacá-lo no terreno em que construiu seu templo de Salomão: a corrupção. O caso do motorista-militar-laranja do filho de Bolsonaro era tudo que precisava.
Há muitos elementos gravíssimos para contestar o presidente eleito, muitos deles de impacto tão severo que começam a repercutir internacionalmente antes mesmo da posse. A sequência de declarações estúpidas em política externa, direitos humanos, educação, saúde e trabalho seriam suficientes para descreditar o futuro governo Bolsonaro. O risco à democracia é real. A ameaça de fascismo é patente. O militarismo deixou de ser uma sombra para se afigurar uma promessa. A violência já apresenta suas armas na morte de trabalhadores sem-terra.
Em várias frentes há um acúmulo de prejuízos profundos, seja em termos econômicos, com a ameaça de rompimento de acordos e tratados, seja em valores de civilização, como direitos das mulheres, dos negros e das minorias. Ao relegar a política pública indigenista a uma pastora obscurantista, o governo recupera o passado mais torpe do setor, quando Igreja e Exército dividiam a tarefa de matar povos e culturas em favor de uma ortodoxia compósita de fé intolerante e a violência. Com a soma recente dos interesses econômicos do agronegócio e das mineradoras, o recuo civilizacional é ainda mais destrutivo.
Mas são causas que não interessam à mídia hegemônica. No limite, servem a ela. Por isso, a reação tem se dado a partir do caso revelado pelas movimentações financeiras do militar aposentado que guiava o carro do então deputado estadual Flávio Bolsonaro. Agente cobrador de pedágio de nomeados para cargos de confiança do gabinete, que alimentava, entre outras contas, a da mulher do presidente eleito, Fabrício Queiroz se tornou a bola da vez. É um caso simples de extorsão, com todos os dados registrados por uma repartição pública. Com sua expertise em tratar de casos de corrupção, a imprensa mostra suas garras, com seu estilo peculiar.
O caminho esperado já se antevê. O motorista, que tomou chá de sumiço, vai pagar o pato. No máximo o “garoto” vai receber uma reprimenda, mas o caso não vai chegar a abalar o presidente, que apenas vai ter em mente a partir de agora com quem se meteu. Alguns colunistas sempre dóceis ao que de pior o capitão reformado manifestou em sua trajetória, que a tudo relevaram em nome do respeito devido às instituições (o que nunca fizeram quando os nomes eram de outro partido), se sentem livres para cobranças de araque. Fingem indignação e alfinetam o presidente em editoriais. Chegam a cobrar de Moro, agora ministro da Justiça e titular das ações do Coaf, de onde vazou a lambança, uma atitude republicana e juridicamente equilibrada. De quem? De Moro?
O mais grave, no entanto, é que a pauta da corrupção parece ser a única capaz de mobilizar minimamente as pessoas. Até mesmo a oposição e os movimentos populares. Depois de um recuo inexplicável, de uma atitude de letargia que impediu a manifestação firme de repúdio a atitudes graves, como a extinção de ministérios ligados a direitos e ataque a acordos celebrados depois de anos de trabalho diplomático, entre outros, as forças populares ainda não assumiram a linha de frente de combate e resistência. Há uma atmosfera de preservação, quase de temor e luta pela sobrevivência, que precisa ser revertida em nome de ações mais firmes.
Pegar carona nos interesses moralistas da imprensa – ainda que se trate de uma bandalheira condenável – como se fosse o foco prioritário da política brasileira, é vitaminar o estilo achacador que fez história na imprensa brasileira. É preciso dar a medida exata às coisas. É a democracia brasileira que está em jogo, não o clã do presidente eleito. A imprensa faz seu jogo de sobrevivência, aproveita para recuperar parte da credibilidade perdida e dá indicação de até onde pode ir. Não vai cruzar a linha. Golpistas são sempre golpistas. No fim das contas, partidos fisiológicos e imprensa monopolista querem apenas lembrar quem dá as cartas.
Edição: Joana Tavares

Fonte: https://www.topbuzz.com/a/6634898867726844421?user_id=6629035091002032134&language=pt&region=br&app_id=1197&impr_id=6635049856601688326&gid=6634894681996640521&c=email 

Paz e Bem #33 - Boff: a espiritualidade pode salvar o planeta - 16.dez.2018

sábado, 15 de dezembro de 2018

JAIR COM SAUDADES

Que saudade hein Jair?

 

Por Arthur Andrade

 

 

Que saudade, hein Jair?

 

Daquele tempo em que você xingava sem reservas, ameaçava mulheres, defendia torturas, atacava negros, gays, índios… e nada acontecia. Tá bom… acontecia sim, uma frágil indignação da platéia que você amava indignar.

 

Saudade do tempo em que você era o escroto folclórico, o insano inconseqüente, o raivoso brincalhão e o mito para os seus iguais. Você era o mito!!

 

Saudade do tempo em que você pedia impeachment aos berros e com isso se sentia dono do mundo, o inatingível, o guerreiro sedento por guerra.

 

Do tempo em que era o discípulo homenageando o herói torturador e assim ganhava, no máximo, matérias assustadas. E você amava assustar.

 

Saudade do tempo em que você, do baixo clero, podia ser o ladrão invisível, o corrupto disfarçado, a reserva imoral, a mentira deslavada. E nada acontecia. Ah quanta saudade, hein Jair!!

 

Saudade do tempo em que podia roubar sem ninguém ver, empregar fantasmas ao bel prazer e distribuir dinheiro público com a família sem ninguém perceber. Você era a insignificância produtiva.

 

Saudade do início do estrelato. Saudade dos gestos de armas. Saudade de ser carregado. Saudade de provocar petistas, ciristas, comunistas, socialistas e até capitalistas. Sim, você já foi nacionalista, embora não conseguisse cantar o Hino Nacional.

 

Saudade, saudade de honrar a bandeira americana e receber tapinhas de “meu querido escravo”.

 

E faz tão pouco tempo, não é?

 

Agora você olha pro lado e vê uma traíra. Olha pra trás e vê uma arma engatilhada. Olha pra frente e vê o precipício.

 

Agora você está diplomado presidente do maior país da América Latina. Um gigante que enxerga você como a formiga miúda e você olha pro gigante como uma célula intestinal.

 

Agora você nem tem mais família. A família Bolsonaro virou sinônimo de falcatrua. Então, Jair, isola a família.

 

Sua família oficial vai vigiar seus passos com chicotes de 4 ou 5 estrelas. Sua família oficial vai massacrar seus dias e noites com tarefas oficiais que você odeia, odeia, odeia.

 

Trabalhar, Jair, nunca foi seu forte.

 

Agora você vê os filhos fugirem das redes com medo do povo. Agora você tem medo até do seu povo. E medo de abrir a boca, quem diria, você que era um boquirroto incansável.

 

Seu silêncio durante o Hino Nacional foi esse medo da boca, não foi Jair? Abrir a boca é um perigo, disseram a você. E você tem saudade até disso, bons tempos da boca aberta sem medo da língua.

 

E comer porcarias? Nunca mais, Jair. Beber água, tomar suco de caixa, uma pinga, nunca mais.

 

Porque seu medo chegou à comida. E comida é boca!

 

Você precisa de provadores. Você precisa de seguranças, 12 mil. Você precisa de vigilantes, você precisa de sono. Você precisa sumir. Dá vontade de sumir, não dá Jair?

 


E pensar que tudo o que você queria era brincar de super herói.

As três pernas do trono

Dinheiro, religião, sexo. As três pernas do trono do diabo


“Quando o diabo decide agir, ele comanda a partir de um trono que possui três pernas: dinheiro, religião e sexo”, dizia minha avó Anna. Pouco tenho a acrescentar à antiga sabedoria carregada por aquela italiana do Veneto, mãe de minha mãe. A não ser, talvez, dizer que um dos nomes do diabo é Poder. João de Deus se esqueceu disso, e deu no que deu.
Por: Luis Pellegrini
Fonte: Site www.luispellegrini.com.br
Poder, como todas as coisas que contam, é moeda de duas faces: uma voltada para a luz, a outra para a escuridão. Nos identificar com uma ou com outra depende exclusivamente do uso que fazemos do poder que nos foi atribuído. Se usarmos nosso poder de maneira não egoísta, honesta, despojada, inteiramente voltada para o bem comum, ele se transformará em luz que ilumina. Caso contrário, como sempre acontece mais cedo ou mais tarde, ele se tornará motor da pior magia negra, aquela que conduz ao reino das trevas.
Essa visão do mundo e da própria existência humana não deriva, como alguns poderão pensar, de algum moralismo banal. Emerge, bem diferentemente, do núcleo essencial do sistema de ideias que deu origem à nossa civilização: a filosofia da Grécia Antiga.
Para os antigos gregos, existia apenas uma falha, um erro, um equívoco fundamental e irremissível ao qual davam o nome de hubris: a arrogância, o descomedimento, a perda da consciência de limites. Incorrer na falha de hubris atiça a cólera dos deuses e condena o arrogante à danação eterna. Só aos deuses, entidades absolutas, é permitido ir além dos próprios limites. O homem, ser frágil e escravo do relativo, precisa existir dentro de medidas precisas, nem permanecer aquém nem ir além delas. Para aqueles homens e mulheres que viveram na Grécia Antiga, quando um ser humano se arroga o direito de agir, dizer e pensar fora da medida justa – fora do métron, para usar o termo original – ele cria o caos e, ao mesmo tempo, desencadeia a força de Nêmesis, o princípio restaurador da ordem. Nêmesis, cerne do poder que mantem o universo organizado, dissolve e destrói tudo aquilo que representa uma ameaça à ordem como Princípio Universal.
Tais considerações, creio eu, podem ser oportunas no momento em que o país é sacudido por mais um escândalo de Poder: as revelações sobre a incontinência sexual do médium João de Deus. O que mais, além da perda da consciência de limites, levaria um homem tido como santo benfeitor por milhares de pessoas a cometer um número tão grande de abusos sexuais? Libido é uma benção que nos foi presenteada pela generosidade da Mãe Natureza, sem distinção de raça, idade, gênero, credo, condição social ou preferencia sexual. Mas, como tudo o mais, quando o libidinoso perde a medida justa, ele se transforma em tarado, e esse estigma dificilmente deixará de acompanhá-lo até o final da sua vida. É a maldição da hubris.
Por interesse profissional e dever profissional, já que sou jornalista mais ou menos especializado, conheci e tive contato, ao longo da minha vida, com vários “gurus”, “mestres”, “instrutores espirituais”, “sacerdotes”, “terapeutas” e outros do gênero que se oferecem no mundo como guias e condutores dos complicados processos pessoais de autoconhecimento e do despertar interno desse tipo particular de estado de consciência que costumamos chamar de “luz espiritual”. Aprendi muito com todos eles e devo reconhecer – com gratidão – que muito do que hoje sou se deve à luz dos seus ensinamentos. Porém, da mesma forma – já que não sou cego, nem mudo ou surdo, e muito menos tonto e desavisado – percebi que vários desses professores resvalavam com facilidade no terreno de areias movediças do fanatismo religioso, da ganância pelo dinheiro e a posse de bens materiais e, sobretudo, do sexo. Exatamente as três pernas do trono do Poder.
Encontrei, também – felizmente – gurus que conseguiam se manter fora do alcance das garras de Nêmesis. Mas para nenhum deles isso era tarefa fácil. Eram obrigados a manter uma vigilância constante, às vezes exaustiva contra as tentações que estão sempre à espreita, prontas a induzi-los a esquecer o padrão da medida justa. Prontas a torna-los escravos da Lei de Gérson, aquela que afirma ser correto levar sempre vantagem em tudo. Prontas a nos convencer de que temos, sim, o direito de achar que somos o centro do mundo e que tudo o mais – inclusive o mundo e as demais pessoas – existem para o nosso deleite e serviço. E se você achar que essas carapuças cabem perfeitamente na cabeça de certos homens e mulheres do Poder, políticos e assemelhados, pode estar certo de que não se trata de simples coincidência.
João de Deus pagará agora o preço dos seus excessos. E essa derrocada levará de roldão a maior parte das coisas boas e acertadas que ele certamente fez. Que sua tragédia nos sirva de exemplo.

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