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Por 
Douglas Belchior
5% de nós ainda éramos escravos.
Em nossa maioria, já éramos explorados de bárbaras outras maneiras.
E o que viria, do dia seguinte em diante, está aí, 126 anos depois.
13 de Maio é dia de denúncia, de reflexão e de luta.
E para marcá-lo, reproduzo aqui texto garimpado pelo site da 
Geledes, em que recuperam o brilhante discurso do mestre 
Abdias do Nascimento, proferido há 26 anos atrás.
Asè para nossos ancestrais!
Discurso proferido pelo Senador Abdias Nascimento por ocasião dos 110 anos da Abolição no Senado Federal.
De 
Geledes
O SR. ABDIAS NASCIMENTO (Bloco/PDT-RJ. 
Pronuncia o seguinte discurso.) – Sr. Presidente, Srªs. e Srs. 
Senadores, sob a proteção de Olorum, inicio este meu pronunciamento.
Na data de hoje, 110 anos passados, a 
sociedade brasileira livrava-se de um problema que se tornava mais agudo
 com a proximidade do século XX, ao mesmo tempo em que criava condições 
para o estabelecimento das maiores questões com que continuamos a nos 
defrontar às vésperas do Terceiro Milênio. Assim, a 13 de Maio de 1888, a
 Princesa Isabel, então regente do trono em função do afastamento de seu
 pai, D. Pedro II, assinava a lei que extinguia a escravidão no Brasil, 
pondo fim a quatro séculos de exploração oficial da mão-de-obra de 
africanos e afro-descendentes nesta Nação, mais que qualquer outra, por 
eles construída.
Durante muito tempo, a propaganda oficial fez 
desse evento histórico um de seus maiores argumentos em defesa da 
suposta tolerância dos portugueses e dos brasileiros brancos em relação 
aos negros, apresentando a Abolição da Escravatura como fruto da bondade
 e do humanitarismo de uma princesa. Como se a história se fizesse por 
desígnios individuais, e não pelas ambições coletivas dos detentores do 
poder ou pela força inexorável das necessidades e aspirações de um povo.
A tentativa de vender a abolição como produto 
da benevolência de uma princesa branca é parte de um quadro maior, que 
inclui outras fantasias, como a “colonização doce” – suave apelido do 
massacre perpetrado pelos portugueses na África e nas Américas – e o 
“lusotropicalismo”, expressão que encerra a contribuição lusitana à 
construção de uma “civilização” tropical supostamente aberta e 
tolerante. Talvez do tipo daquela por eles edificada em Angola, 
Moçambique e Guiné-Bissau, quando a humilhação e a tortura foram 
amplamente usadas como formas de manter a dominação física e psicológica
 de europeus sobre africano
Na verdade, o processo que resultou na 
abolição da escravatura pouco tem a ver com as razões humanitárias – 
embora essas, é claro, também se fizessem presentes. O que de fato 
empurrou a Coroa imperial a libertar os escravos foram, em primeiro 
lugar, as forças econômicas subjacentes à Revolução Industrial, 
capitaneadas por uma Inglaterra ávida de mercados para os seus produtos 
manufaturados. Explicam-se desse modo as pressões exercidas pela 
Grã-Bretanha sobre o Governo brasileiro, especialmente no que tange à 
proibição do tráfico, que acabaria minando os próprios alicerces da 
instituição escravista. Outro fator fundamental foi o recrudescimento da
 resistência negra, traduzido no pipocar de revoltas sangrentas, com a 
queima de engenhos e a destruição de fazendas, que se multiplicaram nas 
últimas décadas do século XIX, aumentando o custo e impossibilitando a 
manutenção do sistema.
Foi assim que chegamos ao 13 de maio de 1888, 
quando negros de todo o País – pelo menos nas regiões atingidas pelo 
telégrafo – puderam comemorar com euforia a liberdade recém-adquirida, 
apenas para acordar no dia 14 com a enorme ressaca produzida por uma 
dúvida atroz: o que fazer com esse tipo de liberdade? Para muitos, a 
resposta seria permanecer nas mesmas fazendas, realizando o mesmo 
trabalho, agora sob piores condições: não sendo mais um investimento, e 
sem qualquer proteção na esfera das leis, o negro agora era livre para 
escolher a ponte sob a qual preferia morrer. Sem terras para cultivar e 
enfrentando no mercado de trabalho a competição dos imigrantes europeus,
 em geral subsidiados por seus países de origem e incentivados pelo 
Governo brasileiro, preocupado em branquear física e culturalmente a 
nossa população, os brasileiros descendentes de africanos entraram numa 
nova etapa de sua via crucis. De escravos passaram a favelados, meninos 
de rua, vítimas preferenciais da violência policial, discriminados nas 
esferas da justiça e do mercado de trabalho, invisibilizados nos meios 
de comunicação, negados nos seus valores, na sua religião e na sua 
cultura. Cidadãos de uma curiosa “democracia racial” em que ocupam, 
predominantemente, lugar de destaque em todas as estatísticas que 
mapeiam a miséria e a destituição.
O mito da “democracia racial”, que teve em 
Gilberto Freyre seu formulador mais sofisticado, constitui, com efeito, o
 principal sustentáculo teórico da supremacia eurocêntrica neste País. 
Interpretando fatos históricos de maneira conveniente aos seus 
propósitos, deturpando aqui, inventando acolá, sofismando sempre, os 
apóstolos da “democracia racial” conseguiram construir um sólido e 
atraente edifício ideológico que até hoje engana não somente parte dos 
dominados, mas também os dominadores. Estes, sob o martelar do slogan, 
por vezes acreditaram sinceramente na inexistência de racismo no Brasil.
 Podiam, assim, oprimir sem remorso ou sentimento de culpa. Esse mesmo 
mito, com denominações variadas, como “raza cósmica” ou “café con 
leche”, também contamina as relações de raça na maioria do países da 
chamada América Latina, resultando, invariavelmente, na hegemonia dos 
brancos – ou daqueles que assim se consideram e são considerados – sobre
 os negros e os índios. É assim no México, na Colômbia, na Venezuela, no
 Equador, no Peru e nos países da América Central e do Caribe. Disso não
 escapa sequer a Cuba socialista, que pude visitar mais uma vez poucas 
semanas atrás e onde, a despeito do grande esforço de nivelamento social
 realizado pela Revolução, hábitos, costumes e linguagem continuam 
impregnados do perverso eurocentrismo ibérico.
Um dos efeitos mais cruéis desse tipo de 
ideologia é confundir e atomizar o grupo oprimido, impedindo-o de se 
organizar para defender seus interesses. Assim, por exemplo, se denuncia
 a discriminação racial de que é vítima, o negro se vê enquadrado nas 
categorias de “complexado”, “ressentido” ou mesmo de “perturbado 
mental”. Algum tempo atrás, poderíamos acrescentar as de “subversivo” ou
 “agente do comunismo internacional”, estigmas que as instituições 
repressoras de nosso País tentaram imprimir em minha própria pele e que 
me obrigaram a viver no exterior por mais de uma década.
Terríveis na sua capacidade de ocultar o óbvio
 ostensivo, todos esses instrumentos de coerção e imobilização não foram
 suficientes para impedir que parcelas da população afro-brasileira se 
tenham organizado, nesses 110 anos desde a abolição, a fim de lutar, por
 todos os meios possíveis, pela justiça e pela igualdade neste País 
edificado por seus antepassados. Já tive ocasião de celebrar, aqui mesmo
 nesta Casa, o aniversário de fundação da maior dentre todas as 
organizações afro-brasileiras deste século, a Frente Negra Brasileira, 
que assinalou, ainda na década de trinta, a existência de um pensamento e
 de uma ação: negros comprometidos em derrubar as barreiras construídas 
com base na origem africana. Transformada em partido político e fechada 
com o golpe do Estado Novo, a Frente Negra, em seus acertos e equívocos,
 balizou o caminho a ser percorrido pelas futuras organizações 
afro-brasileiras.
Em meados da década dos quarenta, criei no Rio
 de Janeiro, com ajuda de outros militantes, o Teatro Experimental do 
Negro, organização que fundia arte, cultura e política na 
conscientização dos afro-brasileiros, e dos brasileiros em geral, para 
as questões do racismo e da discriminação, assim como para a valorização
 da cultura de origem africana. Apesar dos obstáculos que lhe foram 
interpostos, incluindo a clássica acusação de “racismo às avessas”, o 
Teatro Experimental do Negro marcou sua trajetória, pelo volume e 
qualidade de sua atuação, no meio artístico e cultural daquela década e 
do decênio seguinte, como também no cenário político, sendo diretamente 
responsável pela primeira proposta de legislação antidiscriminatória no 
Brasil, mais tarde neutralizada pela malfadada Lei Afonso Arinos.
Minha militância acabaria me rendendo um 
exílio, do final dos anos sessenta ao início da década de oitenta. Pude 
então travar contato em primeira mão com toda uma liderança negra, na 
África, nos Estados Unidos e na Europa, em luta contra o imperialismo, o
 colonialismo e o racismo. As idéias e ações dessa liderança, que 
incluía Amílcar Cabral, Samora Machel, Agostinho Neto, Julius Nyerere, 
Jomo Kenyatta, Léopold Senghor, Wole Soyinka e Sam Nujomo, na África; 
Malcolm X, Martin Luther King, Amiri Baraka, Stokeley Carmichael e os 
Black Panthers, na América do Norte – para citar apenas alguns de seus 
mais destacados expoentes -, encontraram eco no Brasil, estimulando a 
antiga luta afro-brasileira, agora sob o rótulo de “Movimento Negro”.
Recuperando a tradição das antigas 
organizações, a exemplo da República dos Palmares, da Frente Negra e do 
Teatro Experimental do Negro, o Movimento Negro logo se espalhou pelo 
País, catalisando o idealismo de uma generosa juventude 
afro-descendente, com grande incidência dos escassos universitários que 
enfrentavam, na busca de se inserirem no mercado de trabalho, as cruéis 
contradições de nossa “democracia racial”.
O Sr. Ney Suassuna (PMDB-PB) – V. Exª me permite um aparte?
O SR. ABDIAS NASCIMENTO (Bloco/PDT-RJ) – Ouço V. Exª com muito prazer.
O Sr. Ney Suassuna (PMDB-PB) – Senador Abdias 
Nascimento, no dia 13 de maio gostaria de me solidarizar com V. Exª e 
com toda a raça da qual V. Exª faz parte, dizendo que a esta raça nós, 
brasileiros, devemos muito. Todos nós devemos estar conscientes de que 
deve haver cada vez mais igualdade e mais espaço para ela. Juntos 
haveremos de construir essa raça brasileira, que é a miscegenação de 
todas elas. Muito obrigado.
O SR. ABDIAS NASCIMENTO (Bloco/PDT-RJ) – Muito obrigado a V. Exª.
Continuo, Sr. Presidente:
Apesar de todas as dificuldades e 
resistências, o Movimento encontrava também o apoio de alguns políticos 
importantes. Dentre eles se destaca Leonel Brizola, responsável, como 
Governador do Rio de Janeiro, pela mais séria e ousada experiência de 
enfrentamento do racismo até hoje empreendida no plano do Estado: a 
criação da Secretaria Extraordinária de Defesa e Promoção das Populações
 Afro-Brasileiras, da qual tive a honra de ser o primeiro titular.
Uma das reivindicações do Movimento Negro no 
plano das políticas públicas tem sido a adoção da chamada “ação 
afirmativa” – que eu prefiro designar como “ação compensatória” -, 
objeto, nos últimos tempos, de algumas propostas no âmbito do 
Legislativo, incluindo o Projeto de Lei do Senado nº 75, de 1997, de 
minha autoria, atualmente tramitando nesta Casa. Trata-se este, na 
verdade, de um assunto sobre o qual muito se fala – quase sempre contra –
 mas do qual, geralmente, pouco se conhece.
“Ação afirmativa” ou “ação compensatória”, é, 
pois, um instrumento, ou conjunto de instrumentos, utilizado para 
promover a igualdade de oportunidades no emprego, na educação, no acesso
 à moradia e no mundo dos negócios. Por meio deles, o Estado, a 
universidade e as empresas podem não apenas remediar a discriminação 
passada e presente, mas também prevenir a discriminação futura, num 
esforço para se chegar a uma sociedade inclusiva, aberta à participação 
igualitária de todos os cidadãos. Ao contrário do que costumavam afirmar
 seus adversários, a ação compensatória recompensa o mérito e garante 
que todos sejam incluídos e considerados com justiça ao se candidatarem a
 empregos, matrículas ou contratos, independentemente de raça ou de 
gênero. São seus propósitos específicos: 1) aumentar a participação de 
pessoas qualificadas, pertencentes a segmentos historicamente 
discriminados, em todos os níveis e áreas do mercado de trabalho, 
reforçando suas oportunidades de serem contratadas e promovidas; 2) 
ampliar as oportunidades educacionais dessas pessoas, particularmente no
 que se refere à educação superior, expandir seus horizontes e 
envolvê-las em áreas nas quais tradicionalmente não têm sido 
representadas; 3) garantir a empresas de propriedade de pessoas desses 
grupos oportunidades de estabelecer contratos com o governo, em âmbito 
federal, estadual ou municipal, dos quais de outro modo estariam 
excluídas.
A ação compensatória na área do emprego 
implica o recrutamento ativo de mulheres e membros de grupos 
historicamente discriminados, buscando-se candidatos além das redes 
convencionais de relacionamento, tradicionalmente dominadas por homens 
brancos. Ela estimula, por exemplo, o uso de anúncios públicos de 
emprego para identificar candidatos em lugares em que os empregadores 
geralmente não iriam procurá-los.
Na área educacional, as medidas de ação 
compensatória adotadas em outros países, e que se pretende sejam 
adotadas aqui, são muitas vezes acusadas de constituírem preferências 
por alunos não-qualificados. Na verdade, porém, também nessa área o 
objetivo é recompensar o mérito. Recentes estudos de escores obtidos em 
testes e de notas tiradas no curso secundário – os padrões tradicionais e
 presumivelmente “objetivos” para mensurar as qualificações de 
estudantes – têm posto em questão a precisão desses instrumentos em 
predizer o desempenho futuro de todos os alunos, particularmente de 
mulheres e de membros de grupos discriminados. Poucos especialistas 
sustentariam racionalmente que, por si sós, esses escores e médias sejam
 capazes de medir objetivamente a capacidade e o potencial de um 
indivíduo. Qual a experiência de vida do candidato? Que obstáculos ele 
teve de superar? Quais são suas ambições e esperanças? Menos tangíveis 
do que números, esses padrões são mais precisos em prever o futuro 
desempenho educacional do que a origem familiar, herança ou outros 
atributos do privilégio.
Além do falido argumento meritocrático, também
 se costuma brandir contra a ação compensatória – como aconteceu nesta 
própria Casa – a tese da inconstitucionalidade. Seria inconstitucional 
estabelecer qualquer espécie de “discriminação positiva” – outro 
sinônimo de ação afirmativa – porque isso feriria o princípio da 
igualdade de todos perante a lei. A primeira resposta a esse argumento 
vai contra o seu caráter eminentemente conservador. Como se não 
tivéssemos a possibilidade, o direito, o dever, eu diria, de lutar por 
mudanças nos dispositivos constitucionais que não nos interessam. Ou 
como se a igualdade fosse apenas um princípio abstrato, e não algo a ser
 implementado por meio de medidas concretas. A verdade, porém, é que 
existem diversos precedentes jurídicos que abrem as portas à implantação
 da ação compensatória em favor dos afro-descendentes no Brasil. A 
igualdade de homens e mulheres perante a lei não impede, por exemplo, 
que estas tenham direito de se aposentar com menor tempo de serviço, nem
 que disponham de uma reserva de vagas nas listas de candidatura dos 
partidos. Há também a proteção especial aos portadores de deficiência, a
 famosa Lei dos Dois Terços – que estipulava uma preferência para 
trabalhadores brasileiros no quadro funcional das empresas -, sem falar 
no imposto de renda progressivo e na inversão do ônus da prova nas ações
 movidas por empregados contra empregadores. Todos casos em que a 
igualdade formal dá lugar à promoção da igualdade.
Vale ressaltar, neste ponto, que pelo menos 
três convenções internacionais de que o Brasil é signatário – e que 
portanto têm força de lei – contemplam a adoção de medidas 
compensatórias. Uma delas é a Convenção Internacional sobre a Eliminação
 de Todas as Formas de Discriminação Racial, da Organização das Nações 
Unidas, cujo art. 1º, item 4, diz o seguinte: “Não serão consideradas 
discriminação racial as medidas especiais tomadas com o único objetivo 
de assegurar o progresso adequado de certos grupos raciais ou étnicos 
(…) que necessitem da proteção que possa ser necessária para 
proporcionar(…) igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades
 fundamentais (…).”
Teor semelhante tem o art. 2º da Convenção 111
 da OIT – Organização Internacional do Trabalho, concernente à 
discriminação em matéria de emprego e profissão, pelo qual cada 
signatário “compromete-se a formular e aplicar uma política nacional que
 tenha por fim promover (…) a igualdade de oportunidades e de tratamento
 em matéria de emprego e profissão, com o objetivo de eliminar toda 
discriminação nessa matéria”. E também o art. IV da Convenção Relativa à
 Luta Contra a Discriminação no Campo do Ensino, da UNESCO: “Os Estados 
Partes (…) comprometem-se (…) a formular, desenvolver e aplicar uma 
política nacional que vise a promover (…) a igualdade de oportunidade e 
tratamento me matéria de ensino.”
Outra postura contrária vem dos que, dando 
como exemplo a experiência de países socialistas, à ação compensatória 
costumam contrapor as políticas públicas de combate à pobreza e aos 
problemas a ela associados – as chamadas políticas redistributivas. Esse
 argumento, em geral oriundo da Esquerda, é duplamente falacioso. 
Primeiro porque ninguém, em sã consciência, poderia vislumbrar no 
horizonte próximo uma revolução socialista no Brasil – condição 
indispensável à adoção de reformas radicais como aquelas que 
possibilitaram a alguns daqueles países não acabar com o racismo, mas 
reduzir a um nível mínimo as desigualdades raciais (o que é diferente) 
nas áreas do trabalho, da educação, da saúde e da moradia. A outra 
falácia desse argumento é deixar implícito que se trata de opções 
mutuamente excludentes – ou ação compensatória, ou políticas 
redistributivas, quando, de fato, necessita-se de ambas. Com certeza, os
 afro-brasileiros seriam, por sua inserção social, os grandes 
beneficiários de quaisquer ações governamentais voltadas à melhoria das 
condições de vida das grandes massas destituídas. E continuariam 
precisando de proteção contra a discriminação, bem como de mecanismos 
capazes de lhes assegurar a igualdade de oportunidades.
Em entrevista publicada semana passada pela 
revista Veja, em que se discute a situação dos negros neste País, o 
Presidente Fernando Henrique Cardoso disse não ser contrário ao sistema 
de quotas, forma mais incisiva de ação compensatória, que constitui a 
essência do meu projeto de lei. O Presidente foi além dessa declaração e
 afirmou literalmente: “Havendo duas pessoas em condições iguais para 
nomear para determinado cargo, sendo uma negra, eu nomearia a negra”. 
Como é curioso, para dizer o mínimo, observar correligionários do 
Presidente aqui no Senado manifestando idéias e atitudes absolutamente 
contrárias às de seu suposto líder e utilizando, para isso, todo um 
arsenal de argumentos ou intempestivos, ou equivocados, ou desinformados
 – pois não quero acreditar que sejam maliciosos.
Ao mesmo tempo, pesquisa realizada pelo 
prestigioso instituto de pesquisa Datafolha, e publicada à página 46 do 
livro Racismo Cordial, revela não apenas que praticamente metade dos 
brasileiros de todas as origens étnicas aprova a ação compensatória, mas
 que essa aprovação chega a 52% entre aqueles que admitiram ter 
preconceito em relação aos negros. Muito significativo em função da 
cortina de desconhecimento que cerca o tema, esse resultado indica que o
 País está mudando, e mais rapidamente do que se quer admitir. E esta 
Casa, cujos membros têm o dever de acompanhar e até mesmo antecipar as 
mudanças que o País quer e necessita, não pode ficar se ancorando em 
velhos chavões para manter um estado de coisas que a maioria da 
sociedade quer ver superado. Sabemos, eu e meus companheiros de luta, 
que é árdua a batalha que temos pela frente, no confronto com o 
reacionarismo, a ignorância e o atraso. Mas estamos dispostos a levar 
nossa luta a todos os foros, nacionais e internacionais, e a conduzi-la,
 como alguém já disse, “por todos os meios necessários”.
Assim, neste 13 de Maio, fazemo-nos presentes 
nesta tribuna, não para comemorar, mas para denunciar uma vez mais a 
mentira cívica que essa data representa, parte central de uma estratégia
 mais ampla, elaborada com a finalidade de manter os negros no lugar que
 eles dizem ser o nosso. A comunidade afro-brasileira, porém, já mostrou
 claramente que não mais aceita a condição que nos querem impingir. Mais
 uma prova disso foi dada na madrugada de hoje, quando o Instituto do 
Negro Padre Batista, juntamente com dezenas de outras organizações, 
realizou em São Paulo a segunda Marcha pela Democracia Racial, 
desfraldando a bandeira da igualdade de oportunidades para os 
afro-descendentes. Assim, ao mesmo tempo em que denuncia as injustiças 
de que é vítima, nossa comunidade apresenta reivindicações consistentes e
 viáveis para a solução dos seculares problemas que enfrenta. 
Reivindicações, como a ação compensatória, capazes de contribuir para 
que venhamos a concretizar, com o apoio de nossos aliados sinceros, a 
segunda e verdadeira abolição.
Sr. Presidente, pulei vários trechos para abreviar meu pronunciamento, solicito que a publicação seja feita na íntegra.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
Axé!
Fonte: Senado | Secretaria-Geral da Mesa – 
Secretaria de Taquigrafia e Secretaria de Ata | Secretaria de Informação
 e Documentação – Subsecretaria de Informações.