O domínio da elite paulista ou "a orgulhosa vanguarda do atraso", por Luciano Martins Costa
A Folha de S. Paulo, em 22/12/14, traz resultado de pesquisa Datafolha segundo a qual os paulistanos são vistos por um número crescente de brasileiros como invejosos, egoístas e orgulhosos.
OLHAR SOBRE SÃO PAULO
A orgulhosa vanguarda do atraso
Por Luciano Martins Costa em 22/12/2014 na edição 829 do Observatório da Imprensa
Os dois jornais paulistas que dominam a cena da imprensa escrita no
Brasil voltam a atenção para o território onde têm suas bases. O Estado de S. Paulo publica, na edição de segunda-feira (22/12), um novo painel sobre o aumento da criminalidade na capital e no interior. A Folha de S. Paulo,
por sua vez, traz resultado de pesquisa Datafolha segundo a qual os
paulistanos são vistos por um número crescente de brasileiros como
invejosos, egoístas e orgulhosos.
As duas reportagens se cruzam em alguns pontos, mas os textos e gráficos
publicados reduzem a perspectiva do leitor a aspectos formais dos temas
abordados, evitando um olhar para questões mais profundas, tanto do
aumento da violência como da deterioração da imagem dos paulistas.
Embora a Folha cite, de
passagem, que a polarização das últimas eleições possa ter afetado a
visão que o resto do país tem dos habitantes de São Paulo, faltou
penetrar um pouco mais fundo nas causas dessa polarização.
No que se refere ao problema da criminalidade e da violência, mais uma
vez a imprensa é conduzida por estatísticas oficiais, sem investir em
dados paralelos que permitiriam mensurar o fenômeno num campo mais amplo
do que aquele determinado pela ação de delinquentes ou pelos confrontos
entre os criminosos e agentes públicos. Ficam parcialmente fora das
análises os atos violentos praticados por cidadãos sem histórico de
delitos, o que seria importante para o estudo da violência na rotina da
sociedade.
Visto das estatísticas que apenas levam em conta boletins de ocorrência
de assaltos, furtos, homicídios e latrocínios, o quadro se limita a
contabilizar a atividade do crime contumaz ou organizado, que tem sempre
um importante fator de sazonalidade. Por exemplo, em determinadas
épocas aumenta o roubo de carga, em outros períodos cresce o furto de
telefones celulares, e o assalto a bancos pode aumentar quando se
intensifica a repressão ao tráfico de drogas.
Sem essa abordagem complexa, o noticiário apenas reproduz os gráficos da
polícia que, como admitem as próprias autoridades, são distorcidos por
fatores banais, como a isenção de taxa para a emissão de documentos em
caso de roubo ou furto: supõe-se que muita gente registra boletins
falsos para não ter que pagar pela emissão de uma nova carteira de
identidade.
Perfil reacionário
No caso da pesquisa Datafolha, segundo a qual a imagem dos paulistas
piorou, nos últimos onze anos, do ponto de vista dos outros brasileiros,
a análise se concentra no fato de que o estado de São Paulo tem perdido
importância relativa com o processo de redução das desigualdades
regionais. A capital paulista cresce num ritmo menor do que o Nordeste,
por exemplo, e isso a torna menos atraente, enquanto a melhoria das
condições de vida em outras regiões reduz a necessidade de migrar em
busca de bem-estar.
A Folha de S. Paulo se refere
ao perfil político que foi diferenciando os paulistas dos outros
brasileiros nos últimos anos, mas não faz uma relação entre a questão
das escolhas eleitorais e a realidade criada pelas políticas nacionais
de redução da pobreza. “Pelo menos desde 2006, o comportamento eleitoral
dos paulistas – e mais fortemente, dos paulistanos – destoa do
comportamento dos eleitores do Nordeste. Enquanto São Paulo
consolidou-se como maior reduto do PSDB, os Estados nordestinos
firmaram-se como celeiro de votos do PT”, diz o jornal.
O que não está dito é que uma parcela importante do eleitorado paulista,
e, como reflexo disso, da própria sociedade paulista, vem se tornando
mais conservadora, e essa característica define um comportamento que é
visto, de outras regiões, como sinal de egoísmo e arrogância.
À medida que se comprovam os resultados econômicos de políticas sociais
que reduzem as diferenças regionais pela diminuição da pobreza,
quebra-se a histórica hegemonia de São Paulo sobre o resto do país e
surgem os dois sentimentos presentes na percepção dos brasileiros: os
paulistas se tornam ressentidos e reagem com manifestações de desprezo e
preconceito.
O estudo do Datafolha mostra com clareza que os demais brasileiros notam
o recrudescimento de um sentimento de superioridade dos paulistas, que
foi bastante manifestado após a eleição presidencial. Mas a pesquisa
passa ao largo de um ponto importante: ao omitir, durante anos, os
benefícios da política econômica de interesse social, e ao se comportar
como um partido político conservador, a mídia tradicional tem
contribuído para forjar esse perfil justamente na região onde tem mais
influência.
Não estranha que milhões de reacionários com elevado grau de educação
formal e alta renda se mostrem tão orgulhosos de compor a vanguarda do
atraso.