Por trás das sanções da Casa Branca contra a Venezuela
Os
 norte-americanos agem na Venezuela de acordo com sua estratégia de 
'mudança de regime', que não passa necessariamente pela via eleitoral...
A fação que tenta impedir a normalização das relações entre Washington e
 Caracas tem poder no Departamento de Estado e no Pentágono, afirma Mark
 Weisbrot. Foto US Army/Flickr
Desde que o Governo Obama decidiu impor novas sanções à Venezuela, 
muitas pessoas, incluindo jornalistas, perguntam-se sobre o que teria 
motivado Washington a tomar tal atitude. Alguns estão intrigados com a 
aparente incongruência entre este movimento e a decisão da Casa Branca, 
em dezembro, de iniciar o processo de normalização das relações com 
Cuba. Outros perguntam-se por que o governo americano faria algo que 
obviamente enfraquece a oposição na Venezuela, pelo menos no curto 
prazo. O principal grupo de oposição, a Mesa da União Democrática (MUD),
 emitiu um comunicado em que afirma não apoiar as sanções: "A Venezuela 
não é uma ameaça para ninguém", dizia, em resposta à afirmação absurda 
da Casa Branca de que a Venezuela representava uma "ameaça 
extraordinária" à segurança nacional dos EUA. Finalmente, há o problema 
do isolamento de Washington no hemisfério, que certamente só se agrava 
com esta última decisão.
A contradição entre as sanções à Venezuela e a abertura a Cuba é, 
provavelmente, mais aparente do que real. A maior parte dos principais 
atores da política externa dos EUA queria normalizar as relações com 
Cuba desde, pelo menos, a década de 1990. Tanto pelo dinheiro que se 
pode ganhar lá, como pelo facto de que a maioria dos interessados em 
livrar-se do governo cubano acredita – com ou sem razão – que a tarefa 
será mais fácil com as relações comerciais com os EUA restabelecidas. 
Assim, a retoma das relações com Cuba é, de forma geral, coerente com a 
estratégia mais ampla de oposição à Venezuela e a outros governos de 
esquerda que vêm sendo eleitos e reeleitos desde 1998.
As sanções só parecerão incoerentes para quem enxergar na abertura a 
Cuba o início de uma mudança na estratégia global dos EUA para a região,
 que procure aceitar a enorme mudança política hemisférica que ocorreu 
no século XXI – às vezes chamada de "segunda independência" da América 
Latina. O presidente Rafael Correa, do Equador, expressou sucintamente a
 desaprovação dos governos regionais com as últimas sanções, afirmando 
que estas "nos lembram dos momentos mais sombrios de nossa América, 
quando fomos invadidos tivemos ditaduras impostas pelos imperialistas." 
Em seguida, perguntou: "Será que não percebem que a América Latina 
mudou?" A resposta curta para a pergunta é não. Washington ainda está a 
uma longa distância de algo equivalente no hemisfério ao que representou
 a viagem de Nixon à China em 1972, que não marcou apenas o início de um
 processo de abertura de relações diplomáticas ou comerciais, mas a 
aceitação de que uma "China comunista" e independente era uma realidade 
nova, mas permanente.
Mesmo com o processo de normalização das relações com Cuba, a Casa 
Branca planeia continuar a financiar programas de "promoção da 
democracia" no país – assim como em muitos outros na região.
A explicação sobre o que a Casa Branca – ou quem quer que os tenha 
influenciado – espera destas sanções é menos óbvia. Durante a 
presidência de Obama, tem havido desacordo sobre a política do país para
 a América Latina entre diversos setores do governo. Por exemplo, quando
 o presidente Obama quis restabelecer relações diplomáticas com a 
Venezuela em 2010, foi sabotado por congressistas da direita e, 
provavelmente, os aliados destes no Departamento de Estado. Em meados do
 ano passado, o governo deu um passo em direção ao estabelecimento de 
plenas relações diplomáticas com a Venezuela ao receber um adido 
comercial da embaixada venezuelana – um degrau abaixo do embaixador. O 
encontro também foi recebido com alguma resistência e tentativas da 
direita de prejudicar as relações, a fim de dinamitar o progresso 
natural em direção às plenas relações diplomáticas.
"As sanções representam a vitória da fação política que quer impedir a normalização das relações diplomáticas com a Venezuela. Embora a opinião mais audível deste setor venha da extrema direita do Congresso – como Marco Rubio no Senado ou Ed Royce na Câmara dos Deputados – há importantes aliados dentro do próprio governo, em lugares como o Departamento de Estado e o Pentágono."
É sob esta luz que devem ser analisadas tanto as últimas sanções como 
aquelas aprovadas em dezembro. Elas representam a vitória da fação 
política que quer impedir a normalização das relações diplomáticas com a
 Venezuela. Embora a opinião mais audível deste setor venha da extrema 
direita do Congresso – como Marco Rubio no Senado ou Ed Royce na Câmara 
dos Deputados – há importantes aliados dentro do próprio governo, em 
lugares como o Departamento de Estado e o Pentágono. O apoio de 
Washington ao golpe militar de 2009 em Honduras foi, talvez, o mais 
importante dos muitos exemplos desta força, pois não resultou de pressão
 da direita no Congresso, tendo vindo, ao contrário, de dentro da 
administração Obama.
Estes setores jogam um jogo de longo prazo, e parecem dispostos a 
sacrificar algum capital político (em Caracas bem como Washington), a 
fim de tentar deslegitimar o governo da Venezuela. Assim como boa parte 
da oposição local, não estão comprometidos com a via eleitoral do poder.
 Embora a Venezuela esteja enfrentando problemas económicos agora, 
ninguém sabe quando os preços do petróleo irão recuperar, ou quando o 
governo poderá corrigir os seus mais importantes problemas económicos. 
Mesmo que a oposição ganhasse a maioria nas eleições legislativas 
nacionais, em dezembro, isto não daria a ela o controle do governo, da 
mesma forma que o controle atual do Congresso pelos republicanos nos EUA
 não os permite controlar o governo americano. Por isso, a linha dura 
quer agir agora, na esperança de fazer avançar sua estratégia de 
"mudança de regime".
Os governos latino-americanos compreenderam esta estratégia, vista como 
uma grave ameaça à democracia na região; daí a resposta rápida e a feroz
 oposição às sanções. Assim como os republicanos pensaram que eram 
gestos inteligentes convidar o primeiro-ministro israelita Benjamin 
Netanyahu para discursar no Congresso americano ou enviar uma carta do 
Senado americano ao governo do Irão, os arquitetos desta nova política 
de sanções descobrirão, em breve, os seus erros de cálculo.
Mark Weisbrot é economista, codiretor do Center for Economic and 
Policy Research, em Washington, e presidente do Just Foreign Policy. 
Publicado no portal CounterPunch. Tradução de Clarisse Meireles para o portal Carta Maior.