Eles querem sangrar o Brasil
O objetivo que move os Aloysios da vida não é o de se opor democraticamente ao governo, mas de paralisá-lo, impedi-lo de cumprir as suas funções.
Sebastião Velasco, via Carta Maior
Deu no jornal: o senador Aloysio Nunes Ferreira disse que não defende o impeachment de Dilma Rousseff; o que ele quer é sangrá-la.
Mas o que ele quis dizer com isso?
Ora, é óbvio atalhará o leitor. E com toda razão. Com efeito, o senador acha que foi claro, e todos parecem concordar com ele: ninguém duvida do significado de sua afirmação.
Entretanto, o espanto diante do óbvio costuma ser uma atitude intelectualmente produtiva. Quando submetemos um enunciado óbvio à dúvida metódica muitas vezes descobrimos que ele diz muito mais do que o seu autor pretendia.
Insisto, portanto, na pergunta: o que o prócer tucano tem em mente quando expressa seu desejo de sangrar a Dilma?
Não vale aplicar ao caso o tratamento cretino que seus pares dão às afirmações de inimigos – como quando tomam ao pé da letra a menção de Lula ao “exército de Stédile”, e sugerem que o ex-presidente deveria responder na justiça por esse ato subversivo. O senador tucano tem fama de violento, mas não é razoável imaginar que – tendo saído ileso do país para um exílio parisiense, em sua juventude – tantos anos depois ele queira devolver a antiga companheira de armas às câmaras de tortura.
A palavra sangrar foi usada em sentido figurado, e é isso que justifica a pergunta. Mas não a responde. Sangrar, mas de que maneira, em que sentido?
Podemos supor que Aloysio tenha recorrido a uma metáfora terapêutica. “Sangria: modalidade de tratamento médico que estabelece a retirada de sangue do paciente como tratamento de doenças. Pode ser feita de diversas maneiras, incluindo o corte de extremidades, o uso de sanguessugas ou a flebotomia.”
Mas, ainda que o senador seja muito mais cordato do que parece, sua boa vontade não chega a tanto. Ele não quer ver Dilma curada, muito pelo contrário. Pelo menos, do ponto de vista político.
Aí a obviedade. O que a oposição deseja é debilitar o governo, bloquear suas políticas, negar-lhe os meios necessários para pôr em prática o seu programa. E convencer a opinião pública de que ela, oposição, tem um programa melhor, somente ela pode realizá-lo a contento. É isso que a oposição faz nas democracias, e é esse o intuito que se expressa na fala do senador.
Mas, se é assim, a metáfora sanguinária não tem cabimento.
E há ainda um outro problema. A oposição acusa a presidente de ter traído o seu eleitorado, de aplicar agora o receituário de política econômica que antes criticava. Austeridade fiscal, realismo tarifário, saneamento das contas públicas – remédios amargos para corrigir as distorções criadas pelos seus próprios erros. Essas medidas eram pregadas pelo adversário. Nisso, o PSDB e seus aliados convergem com muitos críticos na esquerda: o governo adotou o programa econômico da oposição.
Não penso assim, mas isso é o de menos. O importante é que se esta avaliação é sincera e o mote “sangrar a Dilma” é absurdo. Muito ao contrário disso, a oposição deveria apoiar as iniciativas do governo – contra as resistências de muitos dos partidários deste! – ao menos naquilo que elas coincidissem com as suas próprias propostas.
Ora, a oposição vem se aplicando sistematicamente ao trabalho de “sangrar a presidenta” muito antes do anúncio de seu ministério e das metas de seu segundo governo. Fez isso quando desqualificou o voto que lhe garantiu a vitória. Fez isso quando tentou impugnar a sua diplomação. E voltou a fazê-lo, com maior empenho, ao convocar manifestações de rua para repudiá-la, poucas semanas depois de sua eleição.
Quando levamos em conta esse padrão de conduta – confirmado a cada dia, desde então, e intensificado agora, na preparação do ato de 15 de março, puxado pela palavra de ordem “fora Dilma!” – percebemos que a frase em causa envolve duas metáforas.
O objetivo que move os Aloysios da vida não é o de se opor democraticamente ao governo, mas de paralisá-lo, impedi-lo de cumprir as suas funções constitucionais. Se este caminho levar a um impeachment, muito bem. Se não, tanto faz. O importante é evitar que o governo possa ser exercido em sua plenitude, que ele volte a operar em condições de normalidade.
Para isso é preciso que a situação econômica se agrave, a inflação aumente, o desemprego campeie, setores produtivos inteiros entrem em colapso. E que a convivência política no país seja degradada pela intolerância, traduzida em manifestações cotidianas de ódio.
Por enquanto a oposição tem tido algum sucesso nessa empreitada. Mas estamos apenas no começo da história. Para o que vem a seguir, é fundamental entender que quando falam de Dilma é o Brasil que eles querem sangrar.