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segunda-feira, 17 de agosto de 2020
Alguém ainda se espanta com os números Datafolha de Bolsonaro?
Cinema Secreto: Cinegnose
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Cinema Secreto: Cinegnose
Alguém ainda se espanta com os números Datafolha de Bolsonaro?
Posted: 16 Aug 2020 05:34 PM PDT
Os números do último Datafolha mostram que Bolsonaro bateu seu recorde de popularidade apesar dos mais de 100 mil mortos pela pandemia e as informações diárias sobre as “rachadinhas” do seu clã. Quem se espanta? Se os 150 reais do Bolsa Família deram certos por que não os 600 do auxílio emergencial? Só que não! Pelo menos não através das leituras apressadas e preconceituosas sobre um povo supostamente ignorante que se deixaria comprar. Como sempre, a Globo coloca a culpa nos nordestinos e a esquerda na “ignorância e alienação”. Mas uma pista para entender em profundidade esses números começa em uma matéria de 2016 do jornal “El País”: num bairro periférico de São Paulo, Lula e Doria Jr eram igualmente considerados “trabalhadores que começaram por baixo”. E se nunca tivemos um governo “de esquerda”? E se os motivos que elegeram Lula também foram os mesmos que levaram ao poder a extrema-direita de Doria e Bolsonaro? Será que a ideologia do mérito-empreendedorismo é a verdadeira motivação psicológica do auxílio emergencial numa sociedade precarizada e, finalmente, uberizada? Essa é a matéria-prima das operações psicológicas da atual extrema-direita – “alt-right”.
“... Votei no Doria pelo histórico dele, por ele ter começado de baixo, como o Lula... ele é um trabalhador e convenceu a classe trabalhadora”, afirmou o gráfico Domingos Araújo, morador do bairro José Bonifácio, no extremo da Zona Leste, São Paulo.
Em reportagem da edição brasileira do El País de 2016, foram ouvidos os moradores do bairro periférico que em 2012 havia votado em Fernando Haddad, do PT, e naquelas eleições à Prefeitura apoiaram Doria com 44% dos votos - clique aqui.
Para além da imagem que Doria passou na campanha eleitoral de ser antes um gestor do que um político, houve algo de mais “anômalo” na matéria do veículo noticioso: ver Lula interpretado pelo povo como uma espécie de metalúrgico self made man? Será que, então, poderíamos dizer que para o povão Lula nunca foi um político? Teria sido esse a razão do triunfo de Lula? Assim como Doria Jr?... ou assim como Bolsonaro, um verdadeiro meme Thug Life 3D?
Portanto, não deveríamos nos espantar com os números do novo Datafolha – Bolsonaro bateu seu recorde de popularidade dentro da série histórica do instituto: sua aprovação foi a 37% (32% na pesquisa anterior), enquanto o índice de rejeição despencou dez pontos (de 44% a 34%). Isso, em meio à agenda midiática dos mais de 100 mil mortos pela COVID-19 e revelações quase diárias sobre o envolvimento da família com rachadinhas, milicianos, depósitos estranhos na conta da primeira-dama e muito dinheiro em espécie suspeito pagando boletos.
Suspeita vertiginosa: e se nunca tivemos um governo “de esquerda”? E se os motivos que elegeram Lula também foram os mesmos que levaram ao poder a extrema-direita de Doria e Bolsonaro? Lembre-se, caro leitor, que na versão “paz e amor” de Lula vitoriosa em 2002 nada colava: para desespero dos colunistas e analistas da mídia corporativa, escândalos como o mensalão, caos aéreo etc., não contaminavam sua imagem que só crescia nas pesquisas de opinião. Foram necessárias muitas bombas semióticas e lawfare para pará-lo, e impedi-lo de fazer novos sucessores.
Sob o projeto geopolítico multipolar, soft power e neodesenvolvimentismo, o pragmatismo lulista parecia desideologizar ou despolitizar programas como Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida ou o próprio crescimento da classe C que chegava a shopping centers, aeroportos e universidades – perdeu a oportunidade de fazer uma educação política em massa.
Para o povão, tudo representava conquistas meritocráticas e não política de Estado.
Da mesma forma, nada parece colar na nova versão “paz e amor” de Bolsonaro, desde que viu a janela de oportunidades (mais uma) que a pandemia COVID-19 abriu: deixou para trás o discurso belicoso de a cada final de semana apoiar aqueles que queriam tocar fogo no STF ou fechar o Congresso, para decidir ajudar os desempregados (promovidos a empreendedores pela grande mídia) com o auxílio emergencial – aliás, proposto pela oposição.
Meritocracia ou política de Estado?
O povão é ignorante?
A palavra “Emergencial” tem uma significação bem ambígua: não apenas pela pandemia em si, mas como uma ajuda diante da suposta irresponsabilidade dos governadores que não deixariam o povão “trabalhar”, digo, “empreender”. Bolsonaro ajuda o povão, vítima de governadores (“políticos”) inimigos de pessoas que apenas querem “empreender”.
A leitura mais preconceituosa (inclusive da esquerda) sobre o sucesso da versão “paz e amor” de Bolsonaro é que o povo ignorante está sendo comprado pelo auxílio emergencial – enquanto, de novo, a mídia corporativa joga a culpa nos nordestinos: gente ignorante que mais uma vez foi comprada. Depois do Bolsa Família lulopetista, agora pelo auxílio emergencial.
A analista da Globo News Eliane Catânhede foi quem chegou ao paroxismo: no programa “Em Pauta” da GloboNews, segundo ela o auxílio emergencial teria dado uma certa sensação de “enriquecimento” nos grotões da Zona da Mata nordestina...
O que essas análises não conseguem compreender é que o pragmatismo das massas não considera Bolsonaro como um “pai” que concede benesses. Assim como Lula nunca foi visto pelo povão como um populista que comprou votos criando o Bolsa Família.
Não ocorre é que as pessoas introjetaram a ideologia do mérito-empreendedorismo (transmitida diariamente pela grande mídia a cada MasterChef ou pelas matérias chamadas “inspiradoras” dos telejornais), desde a época das políticas neodesenvolvimentistas dos governos petistas. Essa foi a leitura que fizeram quando se viram entrando em shoppings e universidades. Ideologia que se tornou paradoxalmente ainda mais forte com a precarização e uberização do trabalho nos anos pós impeachment.
Lula foi o metalúrgico que subiu na vida e Bolsonaro é o cara que veste capacete e anda bravamente de moto em plena pandemia, assim como o entregador do Uber Eats.
Como é da natureza da operação psicológica alt-right (Nova Direita), governar é menos propor projetos do que estar sempre combatendo inimigos com os olhos nas próximas eleições. Assim foi Trump nos EUA, às voltas com a ameaça interna de impeachment desde o primeiro dia de “governo”, enquanto enfrentava o “homem-foguete” da Coréia do Norte e a conspiração do “vírus chinês”.
Da mesma forma Bolsonaro, enfrentando os inimigos que não o deixam “governar” – Congresso, STF, emparelhamento comunista no Estado etc.
A contradição da grande mídia
A crise da pandemia abriu uma nova janela de oportunidades, ao criar a falsa oposição Saúde versus Economia. Se o brasileiro está desempregado e não consegue empreender, bote na conta da pandemia, dos governadores e desses malditos cientistas que não sabem o que é não ter um prato de comida na mesa.
Mas principalmente, Bolsonaro parece ter, por assim dizer, pressentido o discurso contraditório da grande mídia: de um lado, defende a agenda neoliberal do Estado Mínimo, teto fiscal e diminuição da carga tributária; por outro, critica a precarização do SUS, exige maior participação do Estado na defesa da Amazônia, na segurança pública e nas periferias dos grandes centros urbanos.
Bolsonaro parece saber que dentro do amplo consórcio militar-judiciário-midiático que o elegeu, a grande mídia (em particular a Globo) é mais realista do que o rei, na ingênua defesa do fundamentalismo neoliberal feita pelos seus analistas, colunistas e editorialistas.
No momento em que Bolsonaro fatura politicamente com o auxílio emergencial, deixando a oposição no vácuo, e aproxima-se do Centrão, a grande mídia começa a dar chiliques amaldiçoando os “fura-tetos” como “ala ideológica” e a equipe econômica como “área técnica” do governo.
Desesperados, analistas econômicos condenam Bolsonaro de estar “traindo” o discurso que o elegeu: uma suposta agenda neoliberal de reformas. Apenas não ocorre de que o que elegeu mesmo Bolsonaro foi o antipetismo e agenda do ódio insuflada pela própria grande mídia que precisava engrossar a massa que apoiaria o golpe de 2016.
Jamais as sacolas de maldades neoliberais ganharam eleições. Por isso, a grande mídia e a conveniente facada em Juiz de Fora evitaram que Bolsonaro abrisse a boca de forma comprometedora em debates na TV. Continuou nas redes sociais com o seu discurso monofásico de ódio, enquanto a agenda do “posto Ipiranga” era ocultada do distinto público.
Mais realistas do que o rei, os “sabujos” analistas da grande mídia (muito mais para cérberos – o mitológico cão que guarda a porta do Inferno - do que cães sabujos) acreditam que a “agenda de reformas estruturantes” vai atrair investimentos e fazer o País retomar a rota do crescimento.
Acontece que a agenda alt-right de Bolsonaro é outra, geopolítica e pessoal:
(a) geopolítica-1: destruição do soft power brasileiro (já concluída com a Lava Jato) e o encerramento das pretensões geopolíticas multipolares que a entrada do país nos BRICS suscitou, além liquidação do projeto brasileiro de liderança latino-americana;
(b) geopolítica-2: fazer rodar as “backdoors” no sistema operacional de Brasília, a verdadeira agenda oculta do neoliberalismo, muito além das “meninas dos olhos” midiáticas das “reformas estruturantes”: reciclar o cassino financeiro, pandemia e controle populacional, além da reengenharia social – sobre isso, clique aqui.
(c) Pessoal: a conquista do Estado por um novo consórcio militar-judicial, mas dessa vez com uma grande mídia sintonizada com as demandas “bala-boi-bíblia”. E longe dessa lorota neoliberal-ambientalista que a Globo agita em seus momentos de freakouts. Agora ameaçada pelas delações que envolvem corrupção e lavagem de dinheiro feitas pela delação premiada do doleiro Dario Messer.
Enquanto lacra nas redes sociais a falta de educação de Romero Britto e a destruição da sua escultura, resta à esquerda esperar a chegada do fundo do poço da crise econômica, a implosão da ideologia do mérito-empreendedorismo e o retorno da luta de classes como o real horizonte de eventos para as massas e uma verdadeira agenda política.
É a economia e a luta de classes, estúpido!
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