segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Filosofia do Direito e a Hermenêutica.

A necessária defesa do óbvio Thiago Rodrigues Pereira 17 de agosto de 2020 19:10 Para: Professor Negreiros Responder | Responder a todos | Encaminhar | Imprimir | Excluir | Mostrar original Olá Professor Negreiros, Um dos comentários mais comuns dos alunos é de que a Filosofia, Filosofia do Direito e a Hermenêutica são matérias apenas teóricas, e que por isso, não possuem qualquer aplicabilidade prática, ou seja, seriam apenas discussões doutrinárias, sem que tais discussões cheguem ao processo, ao Poder Judiciário. O interessante é que, infelizmente, boa parte das universidades e dos concursos públicos, incluindo os exames da OAB, parecem reforçar esse equivocado imaginário coletivo. Com Martin Heidegger, a filosofia, a ontologia, passou a não estudar apenas o ente, mas o dasain, ou seja, o ser aí, o ser inserido no mundo. Trocado em miúdos, Heidegger mostrou que todo o ser é ser de um ente, e, portanto, todo ser está inserido na realidade. Por isso, não se pode (de maneira correta, é claro) ensinar as referidas disciplinas sem conferir-lhes uma profunda aplicabilidade. Como gosto de brincar com meus alunos, afirmo que eles podem até estar fora da Filosofia, mas com certeza a Filosofia está dentro deles, da vida deles, sem que eles nem se apercebam. O mesmo ocorre com o Direito! O que se vê, em mais de 90% das petições iniciais, é um relato dos fatos, depois, nos fundamentos, o/a advogado/a repete os fatos, recheando-os com doutrina e decisões judiciais. E só! O que vemos normalmente são petições pobres, com uso excessivo de expressões latinas, para querer ostentar uma erudição, uso e abuso de argumentos de autoridade, e nenhum comprometimento em pensar cientificamente o Direito. E como nada está tão ruim que não possa piorar, a chegada do chamado neoconstitucionalismo acabou por "dar" aos juízes poderes que vão muitas vezes além do próprio texto da constituição, transformando-os em verdadeiros legisladores positivos. Para combater esse altíssimo grau de discricionariedade, que muitas vezes negam direitos constitucionalmente assegurados pela constituição para clientes, o/a advogado/a precisa estar munido de sua principal arma: o conhecimento! Porém não o conhecimento contido nos manuais espalhados nas prateleiras da maioria das livrarias, e que muitas vezes são best-sellers. Com esses conhecimentos, com certeza o/a advogado/a vai naufragar em sua tentativa de fazer valer o direito de seu cliente, em tempos sombrios como os atuais. Será justamente com o Direito Constitucional, a Filosofia, a Filosofia do Direito e com a Hermenêutica, pensada a partir da Crítica Hermenêutica do Direito – CHD de Lenio Streck junto com o bom e velho Direito Constitucional que o/a advogado/a conseguirá lutar com maior paridade de armas com magistrados solipsistas, ou seja, aqueles juízes que acreditam que são livre sara julgarem como bem entenderem, aplicando seus valores e seus entendimentos pessoais sobre determinado assunto, entendimento esse que, não raras vezes, são frontalmente contrários ao sentido correto do texto da constituição. Para elucidar a questão, imagine um caso onde um homem, divorciado, ficou muito doente e sua ex esposa, em um verdadeiro ato de caridade, resolve cuidar dele até seus últimos dias no orbe terreno. Até aí, tal fato é um mero fato social, sem qualquer relevância para o Direito. Contudo, a ex esposa ingressa em juízo com pedido para receber pensão do ex marido falecido, e um desembargador tem seu voto vencedor concedendo tal pensão, pelo ato de caridade da esposa, argumentando que seria como ele entendia ser o correto, e, portanto, votaria nesse sentido para conceder a pensão. Imagine você, advogado/a público, lendo esse acórdão. Por óbvio que você iria recorrer! No recurso, o que você deveria alegar? Bem, você deveria mostrar que essa atitude caritativa por parte do magistrado, num arroubo extremamente ativista, estaria eivada de ilegalidade e inconstitucionalidade. Mostrando que a legislação é clara quanto aos efeitos do divórcio em termos previdenciários, excluindo a ex esposa de qualquer benefício. Além disso, deveria mostrar que o sentido correto do princípio da legalidade, contido na carta constitucional brasileira de 1988, é no sentido de que o Estado, e, por conseguinte os servidores públicos, especificamente os magistrados, apenas podem decidir nos termos legais, nunca criando direito novo, como no caso concreto. Mostrar que o juiz não pode impor seus sentimentos, sua pré-compreensão ao decidir, como fez no caso concreto. Mostrar que o juiz não pode, sob que pretexto for, criar previsão não contida no texto legal e/ou constitucional, sob pena de estar violando a função legiferante, via de regra, do Congresso Nacional. Um outro bom exemplo ocorreria se um desembargador determinasse o imediato cumprimento da pena de um réu, condenado em segundo grau, com uma pena restritiva de direito. A fundamentação estaria com fulcro na decisão do STF (diga-se de passagem equivocada) no HC 126.292/SP, de 16/2/2016 que entendeu que não fere o princípio da presunção de inocência a execução antecipada da pena, após o término dos recursos ordinários, em segundo grau. Você sendo advogado/a do réu, como poderia discutir essa questão utilizando a CHD? Primeiramente, poderia arguir que, mesmo equivocada, a decisão do STF autoriza, mas não determina a prisão antes do trânsito em julgado. Em segundo, poderia arguir, para o STJ, afirmando que o acórdão que determinou o cumprimento da pena antes do trânsito em julgado, violou o dispositivo do artigo 147 da Lei de Execuções Penais – LEP, que afirma, textualmente que "Transitada em julgado a sentença que aplicou a pena restritiva de direitos, o Juiz da execução, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, promoverá a execução, podendo, para tanto, requisitar, quando necessário, a colaboração de entidades públicas ou solicitá-la a particulares". Logo, não cabe ao juiz atribuir sentido diferente ao exposto no referido artigo, visto que o mesmo foi recepcionado pela CRFB/88 e está de acordo com o artigo 5º, LVII da carta política brasileira que afirma que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Portanto, o sentido pelo qual a constituição deve ser lida, e por conseguinte o artigo 147 da LEP, é o de que, em razão da presunção de inocência, deve o réu apenas ser preso quando sua condenação transitar em julgado. Não cabe juízo moral do juiz muito menos político, em acreditar que pode prender desobedecendo a constituição e lei por que ambos deveriam ser de uma outra forma. Por fim, imagine que um cliente o/a procura afirmando que está com receio de um concurso que está prestando para magistratura de São Paulo (o mesmo ocorreu em outro concurso em SP, mas para o MP), onde, após a prova oral, existiria uma "entrevista reservada". Como advogado/a, utilizando a CHD, você poderia alegar que, a clássica expressão de que "o edital faz lei entre as partes", obrigatoriamente deve ser interpretada de acordo com o sentido possível dentro do texto constitucional. Por isso, o artigo 37 da CRFB/88 é o norte hermenêutico que se deve seguir quando afirma que "A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência". Perceba que o caput do referido artigo não cria exceções. Logo, como o TJ/SP, ou qualquer outro tribunal, órgão, etc., poderia acreditar que estaria fora desse preceito constitucional? O sentido do texto é unívoco, e determina a obediência do princípio da publicidade e da exigência, salgo raríssimos casos, de dispensa de concurso público. Portanto, como poderia sustentar que uma fase de um concurso público possa ocorrer às escondidas, violando de morte a determinação da publicidade? Logo, fundamentar deve o/a advogado/a utilizar a CHD para que o juiz determine que o TJ/SP ou qualquer órgão, se abstenha de realizar essa entrevista reservada, sob pena de anulação de todo o certame bem como a condenação dos envolvidos se desobedecerem a ordem judicial. Alegar a obediência absoluta ao texto constitucional, que o TJ/SP não tem poder para atribuir qualquer outro sentido que não seja a realização de um concurso público obedecendo o princípio da publicidade. Esses foram 3 breves exemplos de como a CHD pode e muito contribuir em uma advocacia melhor. Não haveria espaço para discutir com ainda mais profundidade os casos mencionados, mas garanto que ainda existiriam muitos excelentes argumentos que poderiam ser aduzidos para defender os interesses dos clientes, mostrando profundo conhecimento da aplicação da teoria, no caso a CHD, à prática, e com isso, na pior das hipóteses, garantindo reais possibilidades de poder recorrer para o STJ e STF, com real chance de êxito, em razão da sofisticação dos seus argumentos. Não sei se você já viu, mas caso contrário, fica aqui o convite para assistir o Mini-curso de Direito Constitucional à luz da Hermenêutica em nosso Portal Novo Liceu de Direito. Clique aqui para assistir Nesse minicurso você verá um direito constitucional muito diferente daquele visto na graduação, ainda centrado em uma visão muito teórica, sem grande aplicabilidade para a vida do profissional do direito. Aqui estão os temas das aulas do nosso Mini-Curso de Direito Constitucional: 01 - Normas Constitucionais Inconstitucionais: uma análise sobre a presunção de inocência 02 - O sentido constitucionalmente mais adequado da vedação ao uso de provas ilícitas no processo 03 - O momento do réu apresentar alegações finais e ampla defesa e o contraditório – quando não existem regras, princípios se tornam ainda mais essenciais A partir da análise de alguns casos concretos, iremos discutir alguns dos temas mais complexos da atualidade, decididos pelo STF e que terão forte impacto na sociedade. Tais temas também possuem enorme probabilidade de serem cobrados e tanto em exames da OAB como em concursos públicos, em razão do seu grau de dificuldade e sofisticação. A partir da chamada Crítica Hermenêutica do Direito - CHD, o direito constitucional será apresentado de uma maneira completamente diferente de tudo que você já viu, proporcionando uma visão contemporânea e sofisticada do direito constitucional. Com isso, sai aquele direito constitucional ainda pensado quase que de forma "metafísica", e entra uma visão de sua aplicabilidade no dia a dia, se tornando um caminho essencial para discutir temas de todas as demais áreas do direito, desde o direito penal, processo penal, civil, processo civil, tributário, trabalhista, ambiental, etc. Clique aqui e acesse o mini-curso agora mesmo Um Forte Abraço! Prof. Dr. Thiago Rodrigues Pereira Mestre e Doutor em Direito Pós-doutor em Direitos Humanos Doutorando em Filosofia