domingo, 21 de dezembro de 2025

OBSCURANTISMO NO SÉCULO XXI – ANÁLISE, CRÍTICA E PROPOSIÇÕES

 

TEXTO-AULA DIDÁTICO-PEDAGÓGICO:

OBSCURANTISMO NO SÉCULO XXI – ANÁLISE, CRÍTICA E PROPOSIÇÕES

Autor: Professor Negreiros, Deuzimar Menezes


Formato: Aula-expositiva dialógica em primeira pessoa

Tema: As raízes e os mecanismos do obscurantismo intelectual contemporâneo e estratégias de resistência epistemológica e política.

 

INTRODUÇÃO:

À Guisa de Antelóquio – O PARADOXO DO SÉCULO

Vivemos o paradoxo mais perverso da história humana: nunca tivemos tanto acesso ao conhecimento e nunca estivemos tão vulneráveis à ignorância organizada. Enquanto a ciência desvenda o genoma, simula buracos negros e cria inteligências artificiais, uma parte significativa da população global retrocede a estágios pré-críticos de pensamento. Não se trata de mera falta de informação. Trata-se de um projeto político-epistemológico que substitui a dúvida metódica pela certeza dogmática, a evidência pelo feeling/sentimento, a complexidade pelo maniqueísmo.

 

Hoje, diante de vocês, não venho como portador de verdades absolutas, mas como cérebro em ato de escrita que se recusa a silenciar. Escrevo a partir das feridas abertas da democracia, das cicatrizes deixadas pelo negacionismo científico e do fogo ainda ardente dos livros queimados — sim, eles continuam sendo queimados, mesmo que digitalmente.

 

1. AS RAÍZES DO OBSCURANTISMO CONTEMPORÂNEO: UMA ANÁLISE TRANSDISCIPLINAR

1.1. A CRISE DA RAZÃO INSTRUMENTAL

O século XX nos deixou um legado ambíguo: a razão que prometia emancipação tornou-se instrumento de dominação (Horkheimer, Adorno). A ciência esvaziada de ética gerou monstros: bombas atômicas, alterações climáticas irreversíveis, algoritmos que controlam desejos. A desilusão com a promessa iluminista abriu espaço para o ressentimento epistemológico — se a razão nos trouxe até aqui, voltemos ao mito, ao instinto, ao líder salvador.

 

1.2 A ECONOMIA POLÍTICA DA IGNORÂNCIA

A ignorância não é acidental; é commodity/mercadoria (Proctor & Schiebinger, 2008). Think tanks financiados por corporações produzem dúvidas sobre mudanças climáticas. Plataformas digitais monetizam a indignação. A desinformação vale mais do que a informação no mercado da atenção. Enquanto isso, a educação pública é sistematicamente desinvestida — não por incompetência, mas por projeto.

 

1.3 A NEUROPOLÍTICA DO MEDO

Nosso cérebro límbico — herança evolutiva — é hackeado por algoritmos que exploram viéses cognitivos:

    i.            Viés de confirmação: buscamos o que confirma nossas crenças;

   ii.            Efeito Dunning-Kruger: quanto menos sabemos, mais confiantes somos;

 iii.            Pensamento tribal: "nós contra eles" como mecanismo de identidade.

 

A extrema-direita não inventou esses mecanismos; aprendeu a industrializá-los.

 

1.4 A ESPIRITUALIDADE DO CAPITALISMO TARDIO

O neoliberalismo não é apenas economia; é teologia [da prosperidade, do domínio] (Harvey, 2005). Seu dogma: o mercado resolve tudo. Seu inferno: a dependência do Estado. Seus santos: os empreendedores. Seus demônios: os "privilegiados" que "vivem às custas dos outros". Nesse caldo, o fascismo não é acidente, é sintoma — a metástase de um sistema que substitui o bem comum pelo sucesso individual.

 

2/OS MECANISMOS DE FUNCIONAMENTO: COMO SE PRODUZ O OBSCURANTISMO

Mecanismo 1: A EPISTEMOLOGIA DO FEELING/SENTIMENTO

"Eu sinto, logo é verdade". A experiência subjetiva substitui a evidência. Quando um líder diz "tenho um feeling" sobre tratamentos médicos ou mudanças climáticas, está sacralizando a ignorância. É o anti-Iluminismo: não pense, sinta; não questione, obedeça.

 

Mecanismo 2: A INFANTILIZAÇÃO DO PÚBLICO

A comunicação política tornou-se pedagogia do ódio. Frases curtas, repetições exaustivas, inimigos claros, soluções simples. O cidadão é tratado como criança irritadiça — e muitos aceitam esse lugar, porque a complexidade cansa.

 

Mecanismo 3: A CORROSÃO DA LINGUAGEM

Palavras perdem significado. "Liberdade" vira direito de não usar máscara. "Patriotismo" vira culto a símbolos. "Deus" vira garoto-propaganda de projetos de poder. Quando a linguagem definha, o pensamento crítico definha junto.

 

Mecanismo 4: A NOSTALGIA FABRICADA

Um passado que nunca existiu é vendido como paraíso perdido. A saudade do futuro roubado é redirecionada para um passado idealizado. Enquanto isso, o presente é esvaziado de possibilidades transformadoras.

 

3/O CASO BRASILEIRO: O FASCINAZISMO BOLSONARISTA COMO LABORATÓRIO

Analiso aqui não como observador neutro, mas como cérebro brasileiro em estado de alerta máximo. O bolsonarismo não é cópia; é inovação perversa no obscurantismo:

 

3.1 A ALQUIMIA DO ÓDIO

Transformou:

    i.            Educação em doutrinação;

   ii.            Ciência em opinião;

 iii.            Memória em esquecimento;

 iv.            Luto em fraude;

   v.            Vida em estatística.

 

3.2 A TEOLOGIA DA PROSPERIDADE [do domínio] ARMADA

Deus português, Bíblia americana, fuzil israelense. A trindade necropolítica que justifica:

    i.            A boiada passando sobre direitos indígenas;

   ii.            O desmate como "progresso";

 iii.            A bala como argumento.

 

3.3 O CULTURA DO MARTÍRIO REVERSO

Os opressores se apresentam como vítimas. Os censores choram "censura". Os que incitam violência gritam "perseguição". É a psicopatia política institucionalizada.

 

4/PROPOSIÇÕES CORRETIVAS: ESTRATÉGIAS DE RESISTÊNCIA EPISTEMOLÓGICA

Não basta denunciar; é preciso construir. Eis minhas proposições, fruto de um cérebro que se recusa a parar de esperançar:

PROPOSIÇÃO 1: RECONSTRUIR A EDUCAÇÃO COMO ATO POLÍTICO-RADICAL

    i.            Educação não como transmissão, mas como problematização (Freire vivo!)

   ii.            Currículos transdisciplinares que conectam física a filosofia, biologia a ética;

 iii.            Formação docente como formação de intelectuais orgânicos;

 iv.            Escolas como territórios de democracia radical — onde se aprende discordando.

 

PROPOSIÇÃO 2: CRIAR ECOLOGIAS DE SABERES

    i.            Superar a hierarquia entre conhecimento científico e saberes tradicionais;

   ii.            Fóruns permanentes de diálogo entre cientistas, indígenas, quilombolas, artistas;

 iii.            Políticas públicas baseadas em evidências, mas informadas por saberes plurais.

 

PROPOSIÇÃO 3: DESINTOXICAÇÃO DIGITAL COLETIVA

    i.            Alfabetização midiática como disciplina obrigatória;

   ii.            Cooperativas de plataformas — redes sociais não-extrativistas;

 iii.            Direito à desconexão — resistência à economia da atenção.

 

PROPOSIÇÃO 4: RECUPERAR A LINGUAGEM COMO CAMPO DE BATALHA

    i.            Glossários públicos de reconceitualização — redefinir democracia, liberdade, pátria;

   ii.            Poesia como resistência — a beleza como antídoto ao discurso de ódio;

 iii.            Tradução militante — tornar acessível o conhecimento complexo.

 

PROPOSIÇÃO 5: CONSTITUIR REDES INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO EPISTÊMICA

    i.            Alianças Sul-Sul de pesquisadores sob ataque;

   ii.            Sistemas alternativos de revisão por pares fora do circuito comercial;

 iii.            Bolsa-refúgio para intelectuais perseguidos.

 

5. COM QUEM CONTAR? A GEOGRAFIA DA ESPERANÇA

5.1 OS SUJEITOS HISTÓRICOS EMERGENTES

    i.            Juventude climática que processa governos;

   ii.            Mulheres indígenas defendendo território-corpo-terra;

 iii.            Cientistas-militantes que saem dos laboratórios para as ruas;

 iv.            Artistas que recusam o entretenimento vazio;

   v.            Professores que ensinam apesar de tudo.

 

5.2 AS INSTITUIÇÕES A RECONQUISTAR

    i.            Universidades públicas como espaços de pensamento livre;

   ii.            Sindicatos como organizadores da esperança;

 iii.            Mídias comunitárias como contra-narrativa;

 iv.            Sistema de Justiça como último dique contra a barbárie.

 

5.3 AS ALIANÇAS NECESSÁRIAS

    i.            Frente ampla epistêmica — da academia às periferias;

   ii.            Internacionalismo solidário — o obscurantismo é global, a resistência também;

 iii.            Gerações em diálogo — os que viram fascismos anteriores e os que herdam seu legado.

 

À GUISA DE CONCLUSÃO: UM MANIFESTO DO CÉREBRO QUE RESISTE

Concluo esta aula como comecei: como cérebro em ato de escrita. Um cérebro que sabe:

    i.            Que pensar dói — exige desapego de certezas, confronto com a complexidade;

   ii.            Que dizer a verdade é perigoso — os donos do poder preferem confortáveis mentiras;

 iii.            Que defender a vida é radical — num sistema que lucra com a morte.

 

Mas este cérebro também sabe:

    i.            Que a ignorância não é invencível — ela é frágil, porque tem medo da pergunta;

   ii.            Que a beleza é arma — uma poesia, um teorema, uma canção podem desarmar ódios;

 iii.            Que a esperança é verbo — não sentimento, mas ação persistente.

 

Não repetiremos os anos 1930. 1920. 1910. Anos 60/70. Não porque o perigo seja menor, mas porque temos suas lições escritas na carne da história. Temos Auschwitz como advertência. Temos Marielle como promessa. Temos a Amazônia como prova de que ainda há vida para defender.

 

Meu cérebro, hoje, escreve para seu cérebro. Para dizer: nenhum obscurantismo dura para sempre. Porque por trás das trevas, há sempre um fósforo, uma palavra, um gesto de solidariedade pronto a acender.

 

A aula termina. A luta continua. Pensemos juntos. Lutemos juntos. Prevaleçamos juntos.

 

FONTES PESQUISADAS/CONSULTADAS (BASE INTELECTUAL DESTA REFLEXÃO)

1.      ADORNO, T. W. & HORKHEIMER, M. Dialética do Esclarecimento. 1947.

2.      FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 1968.

3.      PROCTOR, Robert & SCHIEBINGER, Londa. Agnotologia: A Fabricação da Ignorância. 2008.

4.      HARVEY, David. Breve História do Neoliberalismo. 2005.

5.      MBEMBE, Achille. Necropolítica. 2003.

6.      SANTOS, Boaventura de Sousa. Epistemologias do Sul. 2010.

7.      KLEIN, Naomi. A Doutrina do Choque. 2007.

8.      DAVIS, Angela. A Liberdade é Uma Luta Constante. 2015.

9.      FOUCAULT, Michel. A Coragem da Verdade. 1984.

10.  QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do Poder, Eurocentrismo e América Latina. 2000.

11.  Relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas).

12.  Pesquisas do Digital Democracy Institute sobre desinformação.

13.  Documentos do Tribunal Penal Internacional sobre crimes ambientais.

14.  Produções do movimento Extinction Rebellion.

15.  Articulações da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO) durante a pandemia.

 

Este texto-aula é, ele mesmo, um ato de resistência epistêmica. Que sirva não como ponto final, mas como vírgula — pausa para respirar antes da próxima frase da história que, juntos, ainda podemos reescrever.

 

Negreiros Deuzimar Menezes

Cérebro em ato, professor em luta, escrevente consciente.

Outubro de 2024

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