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Alienação ecológica, especulação imobliliária e capitalismo selvagem: São Paulo desmatou 79% das florestas que protegem mananciais hídricos. Reflexões sobre a escassez de água no Brasil.
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A água no mundo e sua escassez no Brasil
texto de Leonardo Boff
A atual situação de grave escassez de água potável, afetando boa parte
do Sudeste brasileiro onde se situam as grandes cidades como São Paulo,
Rio de Janeiro e Belo Horizonte, nos obriga, como nunca antes, a
repensar a questão da água e a desenvolver uma cultura do cuidado,
acolitado por seus famosos erres (r): reduzir, reusar, reciclar,
respeitar e reflorestar.
Nenhuma questão hoje é mais importante do que a da água. Dela depende a
sobrevivência de toda a cadeia da vida e, consequentemente, de nosso
próprio futuro. Ela pode ser motivo de guerra como de solidariedade
social e cooperação entre os povos. Especialistas e grupos humanistas já
sugeriram um pacto social mundial ao redor daquilo que é vital para
todos: a água. Ao redor da água se criaria um consenso mínimo entre
todos, povos e governos, em vista de um bem comum, nosso e do
sistema-vida.
Independentemente das discussões que cercam o tema da água, podemos fazer uma afirmação segura e indiscutível: a água é um bem natural, vital, insubstituível e comum. Nenhum ser vivo, humano ou não humano, pode viver sem a água. A ONU no dia 21 de julho de 2010, aprovou esta resolução: “a água potável e segura e o saneamento básico constituem um direito humano esencial.”
Consideremos rapidamente os dados básicos sobre a água no planeta Terra:
ela já existe há 500 milhões de anos; 97,5% das águas dos mares e dos
oceanos são salgadas. Somente 2,5% são doces. Mais de 2/3 dessas águas
doces encontram-se nas calotas polares e geleiras e no cume das
montanhas (68,9%); quase todo o restante (29,9%) são águas subterrâneas.
Sobram 0,9% nos pântanos e apenas 0,3% nos rios e lagos. Destes 0,3%,
70% se destina à irrigação na agricultura, 20% à indústria e restam
apenas 10% destes 0,3% para uso humano e dessedentação dos animais.
Existe no planeta cerca de um bilhão e 360 milhões de km cúbicos de
água. Se tomarmos toda a água dos aceanos, lagos, rios, aquíferos e
calotas polares e a distribuissemos equitativamente sobre a superfície
terrestre, a Terra ficaria mergulhada debaixo da água a três km de
profundidade.
A renovação das águas é da ordem de 43 mil km cúbicos por ano, enquanto o
consumo total é estimado em 6 mil km cúbicos por ano. Portanto, não há
falta de água.
O problema é que se encontra desigualmente distribuída: 60% em apenas 9
países, enquanto 80 outros enfrentam escassez. Pouco menos de um bilhão
de pessoas consome 86% da água existente enquanto para 1,4 bilhões é
insuficiente (em 2020 serão três bilhões) e para dois bilhões, não é
tratada, o que gera 85% das doenças segundo OMS. Presume-se que em 2032
cerca de 5 bilhões de pessoas serão afetadas pela escassez de água.
O Brasil é a potência natural das águas, com 12% de toda água doce do
planeta perfazendo 5,4 trilhões de metros cúbicos. Mas é desigualmente
distribuída: 72% na região amazônica, 16% no Centro-Oeste, 8% no Sul e
no Sudeste e 4% no Nordeste. Apesar da abundância, não sabemos usar a
água, pois 37% da tratada é desperdiçada, o que daria para abastecer
toda a França, a Bélgica, a Suíça e norte da Itália. É urgente,
portanto, um novo padrão cultural em relação a esse bem tão essencial
(cf.o estudo mais minucioso organizado pelo saudoso Aldo Rabouças, Aguas doces no Brasil: Escrituras, SP 2002).
Uma grande especialista em água que trabalha nos organismos da ONU sobre o tema, a canadense Maude Barlow, afirma em seu livro “Agua: pacto azul (2009):
“A população global triplicou no seeculo XX mas o consumo da água
aumentou sete vezes. Em 2050 quando teremos 3 bilhões de pessoas a mais,
necessitaremos de 80% a mais de água somente para o uso humano; e não
sabemos de onde ela virá”(17). Esse cenário é dramático, pois coloca
claramente em xeque a sobrevivência da espécie humana e de grande parte
dos seres vivos.
Há uma corrida mundial para privatização da água. Ai surgem grandes
empresas multinacionais como as francesas Vivendi e Suez-Lyonnaise a
alemã RWE, a inglesa Thames Water e a americana Bechtel. Criou-se um
mercado das águas que envolve mais de 100 bilhões de dólares. Ai estão
fortemente presentes na comercialização de água mineral a Nestlé e a
Coca-Cola que estão buscando comprar fontes de água por toda a parte no
mundo, inclusive no Brasil.
Mas há também fortes reações das populações como ocorreu no ano 2000 em
Cochabamba na Bolivia. A empresa america Bechtel comprou as águas e
elevou os preços a 35%. A reação organizada da população botou a empresa
para correr do país.
O grande debate hoje se trava nestes termos: A água é
fonte de vida ou fonte de lucro? A água é um bem natural, vital, comum e
insubstituível ou um bem econômico a ser tratado como recurso hídrico e
posto à venda no mercado?
Ambas as dimensões não se excluem mas devem ser retamente relacionadas.
Fundamentalmente a água pertence ao direito à vida, como insiste o
grande especialista em águas Ricardo Petrella (O Manifesto da Agua, Vozes
2002). Nesse sentido, a água de beber, para uso na alimentação e para
higiene pessoal e dessedentação dos animais deve ser gratuita.
Como porém ela é escassa e demanda uma complexa estrutura de captação,
conservação, tratamento e distribuição, implica uma inegável dimensão
econômica. Esta, entretanto, não deve prevalecer sobre a outra; ao
contrário, deve torná-la acessível a todos e os ganhos devem respeitar a
natureza comum, vital e insubstituivel da água. Mesmo os altos custos
econômicos devem ser cobertos pelo Poder Publico.
Não há espaço para discutir as causas da atual seca. Remeto ao estudo do importante livro do cientista Antonio Donato Nobre "O futuro climático da Amazônia”,
lançado em meados de janeiro deste ano de 2015 em São Paulo, onde
afirma que a mudança climática é um fato de ciência e de experiência.
Adverte:”estamos indo para o matadouro”.
Uma fome zero mundial, prevista pelas Metas do Milênio, deve incluir a
sede zero, pois não há alimento que possa existir e ser consumido sem a
água.
A agua é vida, geradora de vida e um dos símbolos mais poderosos da natureza da Última Realidade. Sem a água não viveríamos.
Leonardo Boff é colunista do JBonline e escreveu Do iceberg à arca de Noé, Mar de Idéias, Rio, 2010.