Noam Chosmky: É este o mundo que nossos netos herdarão?
Como
os EUA fortalecem, numa época já turbulenta, o surgimento de grupos
como o Estado Islâmico. E, nas mudanças climáticas, um sinal de
decadência do sistema
Entrevista a David Barsamian, na Jacobin | Tradução Pedro Lucas Dulci para o Outras Palavras
Entrevistado pelo jornalista David Barsamian, o professor Noam Chomsky, explica as raízes do Estado Islâmico (ISIS) e porque os EUA e seus aliados são responsáveis pelo grupo. Particularmente, argumenta, a invasão do Iraque em 2003 provocou um divisão sectária que desestabilizou a sociedade iraquiana. Solo fértil para os sauditas estimularem grupos radicais.
Entrevistado pelo jornalista David Barsamian, o professor Noam Chomsky, explica as raízes do Estado Islâmico (ISIS) e porque os EUA e seus aliados são responsáveis pelo grupo. Particularmente, argumenta, a invasão do Iraque em 2003 provocou um divisão sectária que desestabilizou a sociedade iraquiana. Solo fértil para os sauditas estimularem grupos radicais.
A
entrevista também toca no massacre israelense na faixa de Gaza,
destacando o papel vital de Israel no tabuleiro político
norte-americano. Chosmky conta, por exemplo, como Telaviv foi usada por
Washington para fornecer, ao exército a Guatemala, as armas que
permitiram o massacre contra comunidades maias. Era a época do governo
Ronald Reagan; o Congresso havia proibido tal assistência militar —
Israel prontificou-se a ser solução.
Por
fim, Chomsky compartilha seus pensamentos sobre o crescente movimento
pela justiça climática e porque acha que essa é a questão mais urgente
hoje.
O
Oriente Médio está em chamas, da Líbia até o Iraque. Existem novos
grupos jihadistas. O foco atual é o ISIS. O que dizer sobre ISIS e as
suas origens?
Há uma interessante entrevista que só apareceu há alguns dias atrás, com
Graham Fuller, um ex-agente da CIA, um dos principais fontes da
inteligência e dos analistas mainstream sobre
o Oriente Médio. O título é “Os Estados Unidos criaram o ISIS”.
Aparentemente, seria mais uma das milhares de teorias da conspiração que
rondam o Oriente Médio.
Mas trata-se de algo diferente — que vai direto ao coração do establishment norte-americano.
Fuller apressa-se em frisar que sua hipótese não significa dizer que os
EUA decidiram dar existência ao ISIS e, em seguida, o financiaram. Seu —
e eu acho que é algo acurado — é que os EUA criaram o pano de fundo em
que o ISIS cresceu e se desenvolveu. Em parte, apenas devido à abordagem
devastadora padrão: esmagar aquilo de que você não gosta.
Em 2003, os EUA e a Grã-Bretanha invadiram o Iraque, um crime grave. A
invasão foi devastadora. O Iraque já havia sido virtualmente destruído,
em primeiro lugar pela década de guerra com o Irã — no qual, aliás,
Bagdá foi apoiado por os Washington — e depois pela década de sançõeseconômicas e políticas.
Tais sanções foram descritas como “genocidas” pelos dois respeitados
diplomatas internacionais que os administravam e, que, por esse motivo,
renunciaram em protesto. Elas devastaram a sociedade civil, fortaleceram
o ditador, obrigaram a população a confiar nele para a sobrevivência.
Essa é provavelmente a razão pela qual ele não seguiu o caminho natural
de todos os outros ditadores que foram derrubados.
Por fim, os EUA simplesmente decidiram atacar o país em 2003. O ataque é
comparado por muitos iraquianos à invasão mongol de mil anos atrás.
Muito destrutiva. Centenas de milhares de pessoas mortas, milhões de
refugiados, milhões de outras pessoas desalojadas, destruição da riqueza
arqueológica e da riqueza do país da época suméria.
Um dos efeitos da invasão foi instituir imediatamente divisões
sectárias. Parte do “brilhantismo” da força de invasão e de seu diretor
civil, Paul Bremer, foi separar os grupos — sunitas, xiitas e curdos —
uns dos outros, e instigá-los uns conta os outros. Após alguns anos,
houve um conflito sectário brutal, deflagrado pela invasão.
Você pode enxergar isso se olhar para Bagdá. Um mapa de Bagdá de,
digamos, 2002, revela uma cidade mista: sunitas e xiitas vivem nos
mesmos bairros e casam entre si. Na verdade, às vezes nem sabiam quem
era sunita, e quem era xiita. É como saber se seus amigos estão em um ou
outro grupo protestante. Existiam diferenças, mas não eram hostis.
Na verdade, durante alguns anos ambos os lados diziam: nunca haverá
conflitos sunitas-xiitas; Estamos muito misturados na natureza de nossas
vidas, nos locais onde vivemos, e assim por diante. Em 2006, houve uma
guerra feroz. Esse conflito se espalhou para todo o Oriente Médio —
hoje, cada vez mais dilacerado por conflitos entre sunitas e xiitas.
A dinâmica natural de um conflito como esse é que os elementos mais
extremos comecem a assumir o controle. Eles tinham raízes. Estão no mais
importante aliado dos EUA, a Arábia Saudita, com a qual Washington está
seriamente envolvidos desde a fundação do Estado nacional. É uma
espécie de ditadura da família. O motivo é sua uma enorme quantidade de
petróleo.
Mesmo do domínio dos EUA, a Grã-Bretanha sempre preferiu o islamismo
radical ao nacionalismo secular, no mundo árabe. E quando os EUA
passaram a ser hegemônicos no Oriente Médio, adotaram a mesma posição. O
islamismo radical tem seu centro na Arábia Saudita. É o estado islâmico
mais extremista, mais radical no mundo. Faz o Irã parecer um país
tolerante e moderno, em comparação — e os países seculares do Oriente
Médio árabe ainda mais, é claro.
A Arábia Saudita não é apenas dirigida por uma versão extremista do
Islã, os salafistas wahhabistas. É também um Estado missionário. Usa
seus enormes recursos petrolíferos para promulgar suas doutrinas em toda
a região. Estabelece escolas, mesquitas, clérigos, em todo o lugar, do
Paquistão até o Norte de África.
Uma versão extremista do extremismo saudita foi assumida pelo ISIS. Este
grupo cresceu ideologicamente, portanto, a partir da forma mais
extremista do Islã — a versão da Arábia Saudita — e dos conflitos
engendrados pela invasão norte-americana, que quebraram o Iraque e já se
espalharam por toda a região. Isso é o que Fuller argumenta, em sua
hipótese.
A Arábia Saudita não só fornece o núcleo ideológico que levou ao
extremismo radical do ISIS (e de grupos semelhantes que estão surgindo
em diversos países), mas também o financia e lhe oferece apoio
ideológico. Não é o governo de Riad que o faz — mas sauditas e
kwaitianos ricos. O ataque lançado à região pelos Estados Unidos e pela
Grã-Bretanha é a fonte, onde tudo se origina. Isso é o que significa
dizer os EUA criaram ISIS.
Pode ter bastante certeza de que, à medida que esses conflitos se
desenvolvem, eles se tornarão mais extremistas. Os grupos mais brutais
tenderão a assumir o controle. É o que acontece quando a violência se
torna o meio de interação. É quase automático: em favelas ou nos
assuntos internacionais. As dinâmicas são perfeitamente evidentes. É
este o papel do ISIS vem. E se for destruído, surgirá talvez algo ainda
mais extremo.
Os
meios de comunicação são obedientes. No discurso de 10 de setembro de
Obama, ele citou dois países como supostas histórias de sucesso na
estratégia de contra-insurgência dos EUA: Somália e Iêmen
O caso da Somália é particularmente horrendo. O Iêmen já é suficiente
ruim, mas a Somália é um país extremamente pobre. Não há tempo para
contar toda a história. Mas uma das grandes conquistas, um dos grandes
orgulhos da política de “contraterrorismo” da administração Bush foi que
eles tinham conseguido fechar uma instituição de caridade, a Barakat,
que estaria alimentando o terrorismo na Somália. Enorme comoção na
imprensa. Foi para eles uma conquista real.
Alguns meses mais tarde, os fatos começaram a vazar. A caridade não
tinha absolutamente nada a ver com o terrorismo na Somália. O episódio
tinha a ver era com bancos, comércio, assistência, hospitais. Atingir a
Barakat era uma espécie de tentativa de manter a Somália profundamente
empobrecida e economicamente golpeada. Existem algumas linhas sobre
isso. Você pode ler em livros sobre finanças internacionais.
Houve um momento em que os chamados tribunais islâmicos, que eram
chamados de uma organização islâmica, tinham conseguido uma espécie de
paz na Somália. Não era um belo regime, mas pelo menos era pacífico e as
pessoas o aceitavam mais ou menos. Os EUA não iriam tolerar isso, então
apoiaram uma invasão etíope para destruí-la e transformar o lugar em um
tumulto horrível. Essa é a grande conquista.
O Iêmen é uma história de horror própria.
Vamos
à disputa de Israel contra os palestinos. Há algum tempo, um jornalista
norte-americano, David Greene, conversou com um repórter em Gaza e fez o
seguinte comentário: “Ambos os lados sofreram enormes danos”. Pensei
para mim mesmo, isso significaria que Haifa e Tel Aviv foram reduzidas a
escombros, como Gaza foi? Você se lembra do comentário Jimmy Carter
sobre o Vietnã?
Não só me lembro, como acho que fui a primeira pessoa a comentar sobre
isso, e provavelmente sou até hoje praticamente a única pessoa a
comentar sobre ele. Fizeram a Carter, o defensor dos direitos humanos,
uma pergunta leve, numa entrevista coletiva em 1977: você acha que temos
alguma responsabilidade de ajudar os vietnamitas depois da guerra? Ele
respondeu que não tínhamos nenhuma dívida com eles – “a destruição foi
mútua”.
Isso passou sem comentários. E foi melhor do que o seu sucessor. Alguns
anos mais tarde, George Bush I, o “estadista”, estava comentando sobre
as responsabilidades norte-americanas após a Guerra do Vietnã, e disse:
há um problema moral que permanece. Os vietnamitas do norte não
empregaram recursos suficientes para entregar a nós os ossos dos pilotos
americanos. Estes pilotos inocentes, derrubados sobre Iowa pelo
assassino vietnamita quando estavam pulverizando colheitas, ou algo
assim… Mas Bush disse: somos um povo misericordioso, por isso vamos
perdoá-los por isso e vamos permitir-lhes entrar em um mundo civilizado…
O que significava: vamos permitir que eles entrem nas relações
comerciais e assim por diante, o que, naturalmente, nós barramos, se
eles pararem o que estão fazendo e dedicarem recursos suficientes para
superar este crime pós Guerra do Vietnã. Sem comentários.
Uma das coisas que as autoridades israelenses continuam trazendo à tona, e é repetido aqui na mídia corporativa, ad nauseam,
é o estatuto do Hamas. Eles não aceitam a existência do Estado de
Israel, querem tirá-lo do mapa. Você tem alguma informação sobre a carta
e seus antecedentes.
A carta foi produzida por, aparentemente, um grupo de pessoas, talvez
dois ou três, em 1988, numa altura em que Gaza estava sob forte ataque
israelense. Você se lembra de ordens de Yitzhak Rabin.
Foi um levante fundamentalmente não-violento, ao qual Israel reagiu de
modo muito violentamo, matando líderes, torturando, quebrando ossos, de
acordo com as ordens de Rabin, e assim por diante. E bem no meio de tudo
isso, um número muito pequeno de pessoas saiu com o que chamaram de um
estatuto do Hamas.
Ninguém prestou atenção a ele desde então. Era um documento terrível.
Mas desde então, as únicas pessoas que chamaram a atenção para ele
foram a inteligência israelense e a mídia norte-americana. Ninguém mais
se preocupa com isso. Khaled Mashal, o líder político de Gaza anos
atrás, disse: olha, é passado, “já era”. Não tem nenhum significado. Mas
isso não importa. Porque é propaganda valiosa para Telaviv.
Há também o fato de que, mesmo não sendo chamados de “estatuto”, há
princípios fundadores da coalizão de governo em Israel. Nesse caso, não
se trata de um pequeno grupo de pessoas, que estão sob ataque, mas da
coalizão governista, o Likud. O núcleo ideológico do Likud é o Herut,
de Menachem Begin. Eles sim têm documentos fundadores. Seus documentos
fundadores dizem que Jordânia de hoje faz parte da terra de Israel;
Israel nunca renunciará ao seu direito à terra da Jordânia. O que está
agora chamado Jordânia eles chamam as terras históricas de Israel. Eles
nunca renunciaram a isso.
O Likud, partido do governo, tem um programa eleitoral – foi enunciado
em 1999 e nunca revogado, é o mesmo hoje. Diz explicitamente que nunca
haverá um Estado palestino a oeste do Rio Jordão. Em outras palavras,
“estamos empenhados, por princípio, na destruição da Palestina”. E não
são apenas palavras. Os governantes de Israel agem dia a dia para
implementá-las.
Há uma história interessante sobre a chamada Carta da Organização pela
Libertação da Palestina, a OLP. Por volta de 1970, o ex-chefe da
inteligência militar israelense, Yehoshafat Harkabi, publicou um artigo
em uma das principais revistas de Israel em que trouxe à luz algo
chamado de “Carta da OLP” ou algo semelhante. Ninguém nunca tinha ouvido
falar dela, ninguém estava prestando atenção nela.
E a carta diz: nosso objetivo é a nossa terra, vamos assumi-la. Na
verdade, não era diferentemente das alegações do Herut, exceto o lugar
de origem. Isto se tornou instantaneamente uma questão enorme em toda a
mídia. Foi chamada de “A aliança OLP”. “A aliança OLP” planeja destruir
Israel. Ninguém sabia nada sobre isso, mas repentinamente tornou-se uma
questão importante.
Eu conheci um ex-chefe da inteligência militar israelense, Harkabi,
alguns anos mais tarde. Era um moderado, aliás, um cara interessante.
Tornou-se bastante crítico da política israelense. Tivemos uma
entrevista aqui no MIT. Eu lhe perguntei: “Por que você trouxe à tona o
documento, no instante em que pensavam em revogá-lo?” Ele olhou para mim
com o olhar vazio, que você aprende a reconhecer quando você está
falando com fantasmas. Eles são treinados para fingir que não entendem o
que você está falando, embora entendam perfeitamente.
Ele disse: “Oh, eu nunca ouvi isso”. É algo além do concebível. É
impossível que o chefe da inteligência militar israelense não saiba o
que sei por ter lido trechos de imprensa árabe em Beirute. É claro que
ele sabia.
Existe todo tipo de motivos para acreditar que decidiu trazer à tona
precisamente porque reconheceu — ou seja, a inteligência israelense
reconheceu — que seria uma peça útil de propaganda e é melhor tentar
garantir que os palestinos a mantenham. É lógico que se nós os atacamos,
eles dirãop: nós não vamos revogar nosso estatuto sob pressão. É o que
está acontecendo com o estatuto do Hamas.
Hoje é impossível documentar isso, por uma razão simples. Os documentos
estavam todos nos escritórios da OLP em Beirute. E quando Israel invadiu
Beirute, roubaram todos os arquivos. Presumo que devem tê-los em algum
lugar, mas ninguém vai ter acesso a eles.
O
que explica a unanimidade quase absoluta do Congresso dos EUA em apoio
Israel? Mesmo Elizabeth Warren, o senadora democrata altamente elogiada
de Massachusetts, votou a favor desta resolução sobre a auto-defesa.
Ela provavelmente não sabe nada sobre o Oriente Médio. Acho que isso é
bastante óbvio. Tome as armas dos EUA pré-posicionadas em Israel para
serem usadas em possíveis ações militares na região. Isso é um pequeno
pedaço de uma aliança militar e de inteligência muito próxima, que
remonta a décadas. Ela realmente decolou depois de 1967, embora já
existisse embrionariamente.
Os militares e a inteligência dos EUA incluem Israel entre suas bases
principais. Na verdade, uma das revelações mais interessantes do
WikiLeaks foi a relação dos centros considerados estratégicos pelo
Pentágono, ao redor do mundo — aqueles que serão defendidos a todo
custo. Um deles é uma grande instalação militar, algumas quilômetros
distante Haifa: as indústrias militares Rafael.
Muita tecnologia drone foi desenvolvida ali. Depois, a sede e a gestão da Rafael foram
mudadas para Washington, onde está o dinheiro. Isso é indicativo do
tipo de relacionamento que existe. E vai muito além. Os investidores
norte-americanos estão num relação de amor com Israel. Warren Buffet
acaba de comprar uma empresa israelense por alguns bilhão de dólares e
anunciou que, fora os EUA, Israel é o melhor lugar para investir. As
grandes empresas, como a Intel e outras, estão investindo pesadamente em
Israel. É um cliente valioso: é estrategicamente localizado,
complacente, faz o que os EUA querem, está disponível para a repressão e
violência. Os EUA têm usado cada vez mais, como uma forma de contornar
as restrições do Congresso e de alguns setores da população sobre
violência.
Tome, por exemplo, o caso da Guatemala. O presidente Ronald Reagan, que
foi extremamente brutal e violento, bem como um terrível racista, quis
fornecer suporte direto para o ataque do Exército da Guatemala contra os
índios maias — algo literalmente genocida. Houve uma resolução do
Congresso que bloqueou a resolução. Então ele fez a ponte com
seus clientes terroristas.
O principal deles foi Israel — também participaram Taiwan e alguns
outros. Israel forneceu as armas para o Exército da Guatemala – até hoje
eles usam armas israelenses – providenciando treinamento para
executarem o ataque genocida. Esse é um dos seus serviços. Fizeram o
mesmo na África do Sul.
Agora, crianças e muitos outros refugiados estão fugindo de três países:
El Salvador, Honduras e Guatemala. Não da Nicarágua, tão pobre como
Honduras. Existe uma diferença? Sim. A Nicarágua é o único país da
região que tinha, na década de 1980, uma maneira de se defender contra
as forças dos EUA – um exército. Nos outros países o exército eram as
forças terroristas, apoiadas e armadas pelos EUA, ou por seu cliente
israelense no pior dos casos. Então é isso que você tem.
Existe uma grande quantidade de relatórios otimista dizendo que o fluxo
de crianças da América Central para os EUA diminuiu. Por quê? Porque nós
pressionamos o governo mexicano e lhe dissemos para usar a força e
impedir que as vítimas de nossa violência fujam para os EUA, tentando
sobreviver. Agora, os mexicanos fazem isso por nós, por isso há menos
pessoas vindo para a fronteira. É uma grande conquista humanitária de
Obama…
Incidentalmente, Honduras está na liderança. Por que Honduras? Porque em
2009, houve um golpe militar no país. O presidente Zelaya, que estava
começando a fazer alguns movimentos em relação a reformas extremamente
necessárias, foi derrubado e expulso do país. Eu não vou passar os
detalhes, mas os EUA, sob Obama, foram um dos poucos países que
reconheceu o regime golpista e a eleição que ocorreu sob a sua égide.
Honduras transformou-se em uma história de horror pior do que era antes,
batendo recordes no número de homicídios e violência.
Parece
ter surgido uma oportunidade para que a população curda do Iraque
alcance algum tipo de soberania. Isso se cruza, na verdade, com os
interesses israelenses no Iraque. Eles têm apoiado os curdos, ainda que
de forma clandestina, mas é bem sabido que Israel tem pressionado para a
fragmentação do Iraque.
Eles estão fazendo isso. E isso é um dos pontos em que há conflito entre
a política israelense e a norte-americana. As áreas curdas têm litoral.
O governo do Iraque bloqueou sua exportação de petróleo, seu único
recurso, e, claro, opõe-se a construção do Estado curdo. Os EUA até
agora tem apoiado esta atitude.
Clandestinamente, há um fluxo de petróleo em algum nível da área curda
na Turquia. Essa também é uma relação muito complexa. Massoud Barzani,
líder curdo iraquiano, visitou a Turquia cerca de um ano atrás e fez
alguns comentários bastante impressionantes. Ele era bastante crítico da
liderança dos curdos turcos e estava claramente tentando estabelecer
melhores relações com a Turquia, que tem reprimido violentamente os
curdos turcos.
A maioria dos curdos no mundo está na Turquia. Você pode entender o
porquê, do ponto de vista deles. Essa é a única saída para o mundo
exterior. Mas a Turquia tem uma atitude dúbia a respeito. Um Curdistão
independente, ao norte do Iraque, bem próximo às áreas curdas da
Turquia, ou nas áreas curdas da Síria, poderia encorajar os esforços
para autonomia no sudeste da Turquia, que é fortemente curda. Os turcos
têm lutado muito brutalmente contra isso desde que a Turquia moderna
surgiu, na década de 1920.
O Curdistão conseguiu, de alguma forma, atrair petroleiros
transportar petróleo a partir de seu território. Esses navios estão
vagando em torno do Mediterrâneo. Nenhum país irá aceitá-los, a não ser,
provavelmente, Israel. Nós não podemos ter certeza, mas parece que
estão ficando com um pouco. Os petroleiros curdos estão buscando alguma
forma de descarregar seu petróleo no Mediterrâneo oriental. Isso não
está acontecendo em um volume que permita ao Curdistão funcionar, mesmo
para pagar seus funcionários.
Na chamada capital curda, Erbil, há arranha-céus sendo erguidos, abunda
alguma riqueza. Mas é um tipo de sistema muito frágil, que não pode
sobreviver. O país está completamente cercado por regiões hostis.
Em nosso último livro, Power Systems, eu lhe pergunto, “Você tem netos. Que tipo de mundo eles herdarão?”
O mundo que estamos criando para nossos netos é ameaçador. Uma das maiores preocupações é a relacionada ao aquecimento global.
Isso não é brincadeira. Esta é a primeira vez na história da espécie
humana que temos de tomar decisões que irão determinar se haverá uma
sobrevivência decente para nossos netos. Isso nunca aconteceu antes. Já
tomamos decisões que estão acabando com espécies de todo o mundo em um
nível fenomenal.
O nível de destruição de espécies no mundo de hoje está acima do nível
de 65 milhões de anos atrás, quando um enorme asteróide atingiu a Terra e
teve efeitos ecológicos horripilantes. Ele encerrou a era dos
dinossauros, que foram aniquilados. Ele deixou uma pequena abertura para
os pequenos mamíferos, que começaram a se desenvolver, e, finalmente,
nós. A mesma coisa está acontecendo agora — a diferença é que somos o
asteroide. O que estamos fazendo com o meio ambiente já está criando
condições como as de 65 milhões anos atrás. A imagem não é bonita.
Em setembro do ano passado, uma das principais agências de
monitoramentos científico internacional apresentou os dados sobre as
emissões de gases de efeito estufa para o ano mais recente em registro,
2013. Eles atingiram níveis recordes: subiram mais de 2% para além do
ano anterior. Nos EUA subiram ainda mais alto, quase 3%. No mesmo mês,
o Journal of the American Medical Association saiu
com um estudo sobre o número de dias super quentes previstos para Nova
York, durante as próximas décadas. Estes dias vão triplicar — e os
efeitos serão muito piores no Sul do planeta. Coincide com o aumento
previto previsto do nível do mar, que vai colocar uma grande parte de
Boston debaixo da água. Sem falar no litoral plano Bangladesh, onde
centenas de milhões de pessoas vivem, mas que serão desalojas.
Tudo isso é iminente. E neste exato momento a lógica das nossas instituições é conduzir o processo para frente. A Exxon Mobil,
que é o maior produtor de energia, anunciou – e você realmente não pode
criticá-los por isso, pois esta é a natureza do sistema capitalista, a
sua lógica – que eles está direcionando todos os seus esforços para
prospectar combustíveis fósseis, porque é rentável. Na verdade, isso é
exatamente o que eles deveriam estar fazendo, no quadro institucional em
que vivemos. Eles deveriam buscar lucros. E se isso elimina a
possibilidade de uma vida digna para os netos, não é seu problema.
A Chevron,
outra grande empresa de energia, tem um pequeno programa sustentável,
principalmente por razões de relações públicas, mas estava indo
razoavelmente bem, chegou a ser realmente rentável. Eles simplesmente
encerraram os programas sustentáveis, porque os combustíveis fósseis são
muito mais rentáveis.
Nos EUA, agora há perfuração em todo o lugar. Mas há um lugar onde foi
um pouco limitado, terras federais. Lobbies de energia estão
queixando-se amargamente de que Obama cortou o acesso a terras federais.
O Departamento de Interior apresentou as estatísticas. É o oposto. A
perfuração de petróleo em terras federais tem aumentado constantemente
sob Obama. O que tem diminuído é de perfuração no mar.
Mas isso é uma reação ao desastre da British Petroleum no
Golfo do México. Logo depois do desastre, a reação imediata foi a
recuar. Mesmo as empresas de energia recuaram da perfuração em águas
profundas. Os lobbies estão apresentando estes dados em conjundo — mas
se você olhar para a perfuração em terra, ela só aumenta. Há muito
poucas restrições. Essas tendências são muito perigosas, e você pode
prever que tipo de mundo haverá para os seus netos.