Ex colunista da Globo quer dar um basta definitivo no jornalismo-lixo da emissora
Não me proponho contribuir para a quebra da Globo. Seria um desperdício de tecnologia
em audiovisual acumulada durante décadas, a qual se tornou um
patrimônio nacional de valor incalculável. Quando o senador Crivella
agendou uma conversa com João Roberto Marinho na última campanha
eleitoral, sugeri a ele que deveria dizer que, se eleito, se
comprometeria a lutar pela consolidação do Rio como capital audiovisual
da América Latina e um dos principais centros de produção de arte
audiovisual do mundo. O líder seria a Globo, naturalmente, não a Record,
cuja base audiovisual é São Paulo.
Acontece que os programas de boa
qualidade formal da Globo, como as novelas, casos especiais, Globo
Repórter, Fátima Bernardes, The Voice (não sei por que não “A Voz”) e
SuperStar funcionam como uma espécie de rede física de esgoto pelo qual
flui o material de má qualidade, a saber, o Jornal Nacional e,
principalmente, o Jornal da Globo. Vai também junto desse lixo esse
monumento à imbecilidade globalizada, o BBB Brasil, que disputa com
Faustão o campeonato da idiotice, salvo apenas, no caso de Faustão, pela
Dança dos Famosos, para os que tem estômago para tolerar as piadas de
mau gosto do apresentador.
O lamentável é que os outros
canais, como Record, Bandeirantes e SBT, não se aproveitam das falhas
estruturais da Globo para lhe ocuparem o espaço jornalístico. Na Band o
jornalismo é tão pobre que as notícias dos principais Estados são
veiculadas por rádio, sem acompanhamento de imagem.
A Record tem a sorte de ter em seus quadros um dos maiores jornalistas
do Brasil, Paulo Henrique Amorim, mas também nela falta infraestrutura
para o noticiário em geral. Com isso, a Globo nada de braçadas, fixando o
padrão de mediocridade que move a maior parte do jornalismo de
televisão.
Como colunista do Globo, privei durante
quase um ano da intimidade de Roberto Marinho, o que me possibilitou
conhecer bem algumas de suas facetas. Era um homem simples, sem
ideologia, voltado quase exclusivamente para o jornal, não a tevê. É
que, de jornal, ele acreditava entender bem – entrou na tipografia e
acabou dono -, enquanto a televisão não lhe era familiar, e deixava
entregue a José Bonifácio, o Boni, e Walter Clark. Boni e Clark puderam
dar uma direção profissional à televisão, sem interferência do dono,
enquanto o jornal era estritamente vigiado por ele.
Talvez viesse daí a mediocridade do
Globo quando comparado com o Jornal do Brasil, por exemplo. Entretanto,
mesmo que não fosse um luminar do jornalismo, Roberto Marinho tinha o
espírito da notícia. Lamentou várias vezes não ter podido dar o furo do
Plano Cruzado porque Sarney lhe pedira reserva. (O curioso nesse
episódio é que Sarney não se deu conta de que estava passando informação
privilegiada para o maior grupo de comunicação do país num momento
crucial da vida econômica brasileira. Na verdade, Sarney temia tanto o
grupo Globo que não pensou duas vezes antes de lhe entregar uma ficha
valiosa que não foi usada.)
O espírito jornalístico de Roberto
Marinho não foi transmitido à prole. No caso da televisão, foi
totalmente desvirtuado. Como jornal perdeu espaço no mundo da
comunicação, a penetração da tevê tornou-se uma arma mortal de difusão
ideológica. No Jornal Nacional ela vinha sendo usada com alguma
moderação porque os editores, William Bonner à frente, calculavam que os
telespectadores são sobretudo de classe média baixa. A partir da última
eleição, contudo, com o sistema Globo assumindo papel de militante
pró-Aécio, a manipulação ideológica também do noticiário televisivo no
horário nobre tornou-se aberta.
Como já escrevi anteriormente, o sistema
de três feudos e várias satrapias jornalísticas do Globo não tem hoje
nenhum controle político. É o campo da liberdade sem limites dos âncoras
e apresentadores, no qual atua a lei da selva. Um ensaio iluminado de
Norberto Bobbio ensina que os luminares do alvorecer da Idade Moderna
não esclareceram bem o que entendiam por liberdade. Alguns, como Locke e
Montesquieu, viam a liberdade como o não limite; outros, como Rousseau e
Hobbes, como prerrogativa de estabelecer os próprios limites. Os
primeiros inspiraram o liberalismo econômico. Os segundos, a democracia.
A tevê Globo é hoje o império da
liberdade sem limites, do liberalismo econômico que gerou nas quatro
últimas décadas o neoliberalismo. Antes, por contraditório que possa
parecer, Roberto Marinho lhe dava um caráter democrático. Um dia, na
minha época no Globo, entrei na sala dele e lhe expus o que sabia dos
rumores de corrupção do Governo Collor. “O que acha que eu devo fazer?”,
perguntou ele a mim, que tinha pouco mais de metade de sua idade.
“Ponha na televisão”, sugeri. Ele ficou em silêncio alguns segundos para
comentar, encerrando a conversa: “É muita responsabilidade…”
É essa responsabilidade que a Globo
perdeu sob a influência nefasta do grupo Veja. Destruidora do Governo
Collor, sem provas – a entrevista que publicou com o irmão de Collor foi
um monumento à irresponsabilidade jornalística -, Veja começou a
articular suas “revelações” de escândalos, oriundas de espionagem paga,
com o noticiário do Jornal Nacional e o Jornal da Globo. Duplamente
irresponsáveis, esses dois sistemas de empulhação jornalística estão
destruindo o Brasil com intrigas, e contribuindo para a degradação de
todas as instituições brasileiras, Executivo, Legislativo e Judiciário.
Chegou o momento do basta.
Para destruir Veja, o que se
justifica como profilaxia da imprensa brasileira, é muito fácil: basta
parar de comprá-la e cancelar as assinaturas. Caso sinta necessidade de
revista, compre a Carta Capital como alternativa, com uma linha mais
imparcial.
No caso da
tevê também é fácil. Como queremos preservar as novelas e punir o
jornalismo-lixo, vamos fazer o seguinte: no horário do Jornal Nacional e
do Jornal da Globo – depois da novela, num caso, e do BBB, do outro -,
vamos desligar a televisão ou mudar de canal. Todos os anunciantes da
Globo saberão pelas pesquisas que, naquele horário, os aparelhos ou
estarão desligados ou ligados em outro canal. (Sugiro que alguém mais
competente que eu em matéria de internet arranje um jeito de tornar essa convocação nacional através das redes sociais,
começando numa data marcada com antecedência e combinando novas datas
até que se torne conhecida alguma providência do sistema Globo em
reestruturar profissionalmente seus jornais!)
J. Carlos de Assis Jornalista,
economista e professor, doutor pela Coppe/UFRJ, autor de mais de vinte
livros sobre Economia Política, sendo o último “A Razão de Deus”, pela
Civilização Brasileira.(via Jornal GGN)
Minha citação é: “Não julgue para não ser julgado.”
Penso, especificamente, nas grandes empresas de jornalismo.
A Globo, por exemplo. Acaba de sair a notícia de que o Jornal Nacional bateu na histórica marca de 20 pontos de Ibope – uma migalha para quem já teve duas, três vezes isso.
Abaixo dos 20, o dilúvio. (Atualização: uma revisão do Ibope elevaria depois este número para 25, o que não muda nada na vigorosa tendência de queda. Longe disso. O que se viu foi a Globo festejando a medíocre marca de 25%, como time tradicional que escapa de rebaixamento.)
Nos mesmos dias, soube-se que Babilônia, a nova novela, caiu vertiginosamente no espaço de uma semana.
E o BBB, como desgraças andam juntas, teve na semana passada a pior sexta de sua existência no Brasil.
A Globo bate sucessivos recordes negativos.
E então vamos a meu ponto: de quem é a culpa?
Se você julgar a Globo como seus comentaristas julgam o governo, a culpa é exclusivamente da própria Globo.
O diretor de telejornalismo Ali Kamel e o apresentador William Bonner teriam que ser impiedosamente despedidos pelos números catastróficos da audiência em sua gestão.
Na área de entretenimento, demissões sumárias teriam também que ocorrer. Novelas que se esfolam para bater em 30 pontos são uma vergonha para quem chegou a ter 100% dos televisores em últimos capítulos, como Selva de Pedra.
Feitas as demissões, os irmãos Marinhos teriam que se auto-substituir, como fez um jogador africano na Holanda depois de uma vaia interminável de sua própria torcida.
Atribuir a outras coisas?
Veja como a Globo lida com isso quando Dilma coloca o Brasil dentro de um contexto de crise global.
Pergunte a Kamel, ou a Bonner, ou a Míriam Leitão, ou a Merval, ou a quem for, qual a causa da derrocada das audiências da Globo – não apenas na tevê, mas em mídias como jornal, revista e rádio.
Ninguém, com certeza, dirá que a responsabilidade é da própria Globo. Ninguém admitirá falta de qualidade nos telejornais, ou nas novelas, ou na falta de capacidade de inovar na administração e nos produtos.
A culpa está lá fora.
Da mesma forma, pergunte aos Civitas como a Abril, em tão pouco tempo, se tornou uma empresa morta em vida.
Gestão ruinosa? Conteúdos desvinculados do espírito do tempo? Más escolhas, como Fabio Barbosa?
Mais uma vez, o problema está lá fora.
Muito bem. Por que circunstâncias externas valem para as empresas, e só para elas?
Todos sabem as restrições editoriais que faço à Globo e à Abril, e trabalhei nelas tempo suficiente para saber que não são administradas com excelência. (É o lado B de empresas que gozam de reserva de mercado e outras mamatas. Como filhos mimados, têm dificuldade em se virar fora de ambientes protegidos.)
Mas, com tudo isso, é inegável que o mundo externo responde e muito pela crise que Globo e Abril enfrentam.
A internet transformou seus produtos em velharias.
Mesmo que a Globo fizesse o melhor jornalismo do mundo, uma coisa do padrão da BBC, e ainda que a Abril fosse administrada por Rupert Murdoch, as coisas continuariam complicadas, dado o poder disruptivo da internet.
A situação do Brasil é bem menos grave do que a da Abril e a da Globo. Como a agência de avaliação de risco S&P avaliou ontem, o Brasil continua a ser um bom porto para os investidores.
A economia, previu a S&P, deve ter um soluço em 2015, uma queda de 1% no PIB, para voltar a crescer 2% em 2016.
Se Dilma for hábil em poupar os mais desfavorecidos, não haverá grandes problemas sociais – ou mesmo pequenos.
De novo: as empresas de mídia enfrentam desafios imensamente maiores que os do Brasil. A rigor, o cemitério as aguarda, a alguns quarteirões de distância.
Tudo isso considerado, seria uma injustiça atribuir o drama delas apenas a elas mesmas.
É o que elas fazem ao examinar as dificuldades econômicas do momento. Tudo culpa do governo, segundo elas.
Isso mostra cinismo, falta de visão e – a palavra é dura, mas não há outra mais precisa – um tipo de canalhice que faz você não lamentar o estado terminal em que elas se encontram.
(Acompanhe as publicações do DCM no Facebook. Curta aqui).
Se Mino Carta citou Jesus numa conversa sobre os protestos, me sinto autorizado a fazer isso também.
De quem é a culpa pelos 20% do Jornal Nacional? Por Paulo Nogueira
Postado em 24 mar 2015
Minha citação é: “Não julgue para não ser julgado.”
Penso, especificamente, nas grandes empresas de jornalismo.
A Globo, por exemplo. Acaba de sair a notícia de que o Jornal Nacional bateu na histórica marca de 20 pontos de Ibope – uma migalha para quem já teve duas, três vezes isso.
Abaixo dos 20, o dilúvio. (Atualização: uma revisão do Ibope elevaria depois este número para 25, o que não muda nada na vigorosa tendência de queda. Longe disso. O que se viu foi a Globo festejando a medíocre marca de 25%, como time tradicional que escapa de rebaixamento.)
Nos mesmos dias, soube-se que Babilônia, a nova novela, caiu vertiginosamente no espaço de uma semana.
E o BBB, como desgraças andam juntas, teve na semana passada a pior sexta de sua existência no Brasil.
A Globo bate sucessivos recordes negativos.
E então vamos a meu ponto: de quem é a culpa?
Se você julgar a Globo como seus comentaristas julgam o governo, a culpa é exclusivamente da própria Globo.
O diretor de telejornalismo Ali Kamel e o apresentador William Bonner teriam que ser impiedosamente despedidos pelos números catastróficos da audiência em sua gestão.
Na área de entretenimento, demissões sumárias teriam também que ocorrer. Novelas que se esfolam para bater em 30 pontos são uma vergonha para quem chegou a ter 100% dos televisores em últimos capítulos, como Selva de Pedra.
Feitas as demissões, os irmãos Marinhos teriam que se auto-substituir, como fez um jogador africano na Holanda depois de uma vaia interminável de sua própria torcida.
Atribuir a outras coisas?
Veja como a Globo lida com isso quando Dilma coloca o Brasil dentro de um contexto de crise global.
Pergunte a Kamel, ou a Bonner, ou a Míriam Leitão, ou a Merval, ou a quem for, qual a causa da derrocada das audiências da Globo – não apenas na tevê, mas em mídias como jornal, revista e rádio.
Ninguém, com certeza, dirá que a responsabilidade é da própria Globo. Ninguém admitirá falta de qualidade nos telejornais, ou nas novelas, ou na falta de capacidade de inovar na administração e nos produtos.
A culpa está lá fora.
Da mesma forma, pergunte aos Civitas como a Abril, em tão pouco tempo, se tornou uma empresa morta em vida.
Gestão ruinosa? Conteúdos desvinculados do espírito do tempo? Más escolhas, como Fabio Barbosa?
Mais uma vez, o problema está lá fora.
Muito bem. Por que circunstâncias externas valem para as empresas, e só para elas?
Todos sabem as restrições editoriais que faço à Globo e à Abril, e trabalhei nelas tempo suficiente para saber que não são administradas com excelência. (É o lado B de empresas que gozam de reserva de mercado e outras mamatas. Como filhos mimados, têm dificuldade em se virar fora de ambientes protegidos.)
Mas, com tudo isso, é inegável que o mundo externo responde e muito pela crise que Globo e Abril enfrentam.
A internet transformou seus produtos em velharias.
Mesmo que a Globo fizesse o melhor jornalismo do mundo, uma coisa do padrão da BBC, e ainda que a Abril fosse administrada por Rupert Murdoch, as coisas continuariam complicadas, dado o poder disruptivo da internet.
A situação do Brasil é bem menos grave do que a da Abril e a da Globo. Como a agência de avaliação de risco S&P avaliou ontem, o Brasil continua a ser um bom porto para os investidores.
A economia, previu a S&P, deve ter um soluço em 2015, uma queda de 1% no PIB, para voltar a crescer 2% em 2016.
Se Dilma for hábil em poupar os mais desfavorecidos, não haverá grandes problemas sociais – ou mesmo pequenos.
De novo: as empresas de mídia enfrentam desafios imensamente maiores que os do Brasil. A rigor, o cemitério as aguarda, a alguns quarteirões de distância.
Tudo isso considerado, seria uma injustiça atribuir o drama delas apenas a elas mesmas.
É o que elas fazem ao examinar as dificuldades econômicas do momento. Tudo culpa do governo, segundo elas.
Isso mostra cinismo, falta de visão e – a palavra é dura, mas não há outra mais precisa – um tipo de canalhice que faz você não lamentar o estado terminal em que elas se encontram.
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