Pra Ser sincero: 123 Variações Sobre Um Mesmo Tema - Humberto Gessinger
Editora: Belas Letras
ISBN: 9788560174454
ISBN: 9788560174454
Opinião: ***
Páginas: 304
Páginas: 304
“Desde sempre escrevi, com a pior caligrafia da turma, letras de
músicas que não existiam. O violão foi ficando para trás, acumulando
poeira. Quando eu tinha doze anos, meu pai adoeceu. Faleceu quando eu
tinha catorze. Tudo ficou em stand-by, nesse período, lá em casa. Acumulando poeira. Muita coisa ficou em stand-by para sempre. Não deu tempo pra ele me ensinar a fazer a barba.
Enquanto meus colegas brigavam com seus pais na saudável busca de
identidade, à noite, eu colocava os chinelos do meu pai para andar no
escuro da casa. Fisicamente não nos parecíamos, mas o som dos chinelos
caminhando era igual. Matava um pouco da saudade.”
“Esse primeiro show parece ter ido bem. Pintaram convites pra
apresentações em outras faculdades e alguns bares. A banda que montamos
pra durar uma única noite estava virando uma banda pra durar algumas
semanas. Já como um trio, tocávamos onde dava pra tocar. Onde não dava,
também tocávamos.
O repertório ia mudando rapidamente. As colagens performáticas
foram dando lugar a um material mais pessoal, saído do velho caderno.
Dos bares, começamos a andar pelo interior. Era algo que as outras
bandas menosprezavam. Ficavam umas tocando para as outras, no mesmo bar.
Dizem as más línguas que são necessários 100 guitarristas gaúchos para
gravar um solo (um para tocar e 99 para dizer que fariam melhor). Não é
bem assim, mas é quase.”
“Toda Forma de Poder,
primeira música do nosso primeiro disco, cometeu quatro pecados
capitais: colocou Fidel e Pinochet na mesma frase, tinha participação de
um ícone da MPG, estourou no Brasil inteiro e entrou numa novela (nessa
ordem).”
“As mudanças de formação se tornaram frequentes na história dos
Engenheiros do Hawaii. Não que eu gostasse. Não que eu evitasse. Num
mundo ideal, as pessoas ficariam juntas para sempre. Mas, num mundo
ideal, talvez não se precise de música.”
“Sempre achei que tua maior virtude e teu maior defeito são irmãos siameses.”
“O mundo pop é muito novidadeiro. A onda é vir, a cada ano, com outra onda. Como se novidade fosse um valor em si. Sempre
achei empobrecedor pensar assim. Prefiro artistas que abrem poucas
portas e se jogam na sala escura a artistas que abrem todas as portas só
pra dar uma espiadinha.”
“Sempre desconfiei dos atalhos. Não gosto de seguir literalmente
cartilhas. As indústrias que crescem na periferia da produção artística
têm os mesmos vícios de qualquer indústria. Vivem criando seus presets.
Camisas pretas e guitarras pontudas para o heavy metal. Meninas tocando
baixo para os alternativos. Guitarras semiacúsitcas e terninhos para os
retrôs. Bonés dos Yankees e Adidas pros rappers.
Se vacilar, até o tipo de droga, ou a não-utilização de drogas, já vem
no cardápio do estilo. Quando eu acabar de escrever essa frase, os
modelos podem ter mudado, mas a existência de um modelo certamente
persistirá.”
“Uma coletânea de videoclips
dos Engenheiros do Hawaii foi lançada nesse ano (2006). Não tenho a
menor ideia do que representam, se representam algo. No início, eram
feitos por uma grande rede de TV, para passar no seu programa de
domingo. Depois, viraram simples peças promocionais. Não sei se deixaram
de ser, se agora são obras de arte em si. Nunca
vi muito nexo no formato. Eu paro de zapear, na hora, para ver qualquer
músico tocar ao vivo. Mas colar outras imagens numa música, acho que só
a empobrece.
Convergência? Divirjo. Obra de arte total me parece uma
contradição. Me interessa mais o que é parcial. Não quero ser uma colcha
de retalhos. Quero ser só um retalho na colcha. A soma pode ser menor
do que as partes. Não se trata de empilhar sentidos (Cinco? Bingo!). Se a
pomba desenhada por Picasso voasse, seria um fracasso.”
“Um dos grenais de que me lembro com mais carinho foi o de 1977. Ganhamos por 1 a
0, quebrando uma série de 123 anos correndo atrás. Meu pai estava
internado num hospital perto do Estádio Olímpico. No fim do jogo,
assisti, pela janela do quarto, à caravana das bandeiras tricolores.
Carros e torcedores silenciosos por respeito. Sensação boa de
pertencimento. Consolo de não estar sozinho. A vida seria uma bobagem
sem essas bobagens.”
“Ouço vozes, tenho pavor de cobras e às vezes tenho medo de começar
a flutuar e não conseguir descer. Fico atento às árvores a aos fios
elétricos para me agarrar caso aconteça.”
“Uma possível medida de felicidade seria o número de relações não
capitalistas que um cara tem... tem gente que até com a mãe tem uma
relação de custo/benefício.”
“Não sei me expressar bem, tenho aquela ética silenciosa do cowboy numa cidade estranha... não faço juras de amor.”
“A tentativa de autoconhecimento é o que me fez cair na estrada, a
busca de um espelho que não esteja embaçado pela minha própria
respiração.”
“Destino? Essa é a questão, tava escrito ou nós é que escrevemos?
Acho que nós escrevemos com a caneta que nos foi dada e suas
limitações... de fato, é lápis e não caneta... qualquer coisa, o tempo
apaga.”
“De cada 10 palavras, sete se perdem.”
“Concreto e Asfalto, para mim, é uma oração. Gostaria de cantar para Jesus Cristo... ele ia achar uma merda e eu ia entender.”