Enquanto isso, as escolas
brasileiras serão obrigadas a ensinar o
nazi-fascismo e o criacionismo protestante em detrimento de quaisquer outros
pensamentos.
Poucos acontecimentos históricos ganharam tantos filmes e livros como o Holocausto promovido pelo regime nazista durante a Segunda Guerra Mundial. Ainda assim há quem tente minimizar o ocorrido. Poucos meses atrás, por exemplo, o político Alexander Gauland, líder do partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD), chegou a afirmar que o Holocausto foi apenas “um cocô de pássaro em mil anos de uma história alemã de sucesso”.
Para estimular a memória pública de um dos episódios mais abomináveis da história moderna, uma das estratégias do governo alemão, desde a década de 1970, é fazer com que seu sistema educacional apresente uma abordagem crítica em relação ao nazismo e ao Holocausto. “A autoconsciência histórica do Estado e da sociedade na Alemanha é moldada pelas seguintes perguntas: ‘como deixamos isso acontecer?’ e ‘o que pode ser feito para impedir algo semelhante no presente e futuro?’”, explica Gerhard Henke-Bockschatz, diretor do departamento de Didática da História da Universidade Goethe.
É por esse mesmo motivo que, embora as políticas educacionais sejam de responsabilidade dos governos estaduais, o tema é obrigatório nas grades curriculares de todo o país durante a 9ª ou 10ª série, quando os alunos estão com 15 e 16 anos.
Segundo Peter Carrier, pesquisador do instituto alemão Georg Eckert e coordenador de um projeto da Unesco sobre o Holocausto na educação, além do ensino dentro da salas de aula, escolas costumam organizar viagens para museus e campos de concentração.
“Esses lugares oferecem um excelente apoio didático. Estar em locais históricos é importante porque torna a realidade mais tangível. Ao mesmo tempo, a orientação crítica dos professores nesses passeios é vital porque incentiva a interpretação e a reflexão sobre as imagens, a linguagem e os ícones”, pondera.
Essas excursões e visitas, entretanto, não são parte obrigatória na grade curricular. Mesmo assim os professores têm toda a liberdade para organizarem diversas atividades pedagógicas no que se refere ao tema. Os educadores possuem ainda ofertas de cursos extracurriculares sobre formas pedagógicas de se abordar o assunto para crianças e jovens.
Uma nova abordagem
Entre os cuidados tomados na hora de ensinar e refletir sobre o Holocausto e o nazismo nas escolas alemãs, Peter Carrier menciona a importância de não demonizar figuras como Hitler. Essa narrativa, segundo ele, torna o tema pouco palpável e distante do presente, já que expressa que apenas alguém como o ditador alemão em questão seria capaz de orquestrar o Holocausto.
“Há uma tendência entre os alunos de pensar que Hitler fez o Holocausto sozinho e que a população não tinha conhecimento da exclusão e humilhação de judeus na sociedade. Mas é bom que eles aprendam que mesmo os alemães comuns fizeram parte desse sistema de exclusão, humilhação, ostracismo e perseguição”, reflete.
Abordagens pedagógicas mais voltadas para a empatia e a solidariedade são as mais indicadas, uma vez que impulsionam o diálogo em relação a assuntos contemporâneos de extrema importância, como a crise migratória na Europa.
“Os jovens devem aprender como perpetradores e espectadores do Holocausto pensavam e como é fácil, ainda hoje, adotar esses mesmos processos de pensamento. É preciso refletir sobre o tema para não repetir os modos de exclusão, humilhação e perseguição ou até mesmo para não aceitar silenciosamente os preconceitos de outras pessoas”, diz o pesquisador.
Outro ponto crucial no ensino do nazismo para jovens alemães, segundo Carrier, é que professores não devem apelar para imagens chocantes do período para chamar a atenção dos alunos. “Entendo que seja difícil entender um evento que está distante no tempo e que foi tão absurdamente violento, mas acho mais efetivo começar lendo aos alunos depoimentos de sobreviventes ou mostrando como os criminosos nazistas pensavam”, diz. “É possível, sim, mover os jovens recorrendo aos seus sentimentos de indignação e horror, mas prefiro mostrar que genocídios, e os preconceitos que os precedem, podem acontecer em qualquer lugar”, completa.
Nostalgia
Apesar dos esforços contínuos no setor educacional, a Alemanha tem visto crescer a nostalgia em torno do autoritarismo. “A mudança nas atitudes e pensamentos dos alemães é sutil e ocorre de modo gradual. As pessoas têm usado uma linguagem xenofóbica em público e expressado opiniões antissemitas com mais frequência e sem qualquer consequência. Representantes de visões políticas extremas também são cada vez mais convidados para falar em canais de televisão e rádio”, afirma Carrier.
Para o estudioso Gerhard Henke-Bockschatz, sempre houve uma minoria na sociedade alemã, embora ela esteja ainda mais latente hoje em dia, que reclama da posição proeminente da história do nazismo no país. “Essas pessoas não gostam da narrativa porque dizem que ela foca na culpa alemã quando o que desejam é um olhar mais positivo e orgulhoso da história nacional”, explica.
Um agravante nesse panorama é que a geração atual não teve contato direto com a guerra e tem cada vez menos interação com as pessoas que o tiveram, de modo que são seduzidas por “soluções simples” e “ideais nacionalistas”.
“Há na Alemanha um potente conjunto de ideias já prontas, jargões e ícones da década de 1940, que, inevitavelmente, se tornam aparentes e retornam à luz do dia quando há espaço para discursos de políticos extremos”, conclui Carrier.