Panorâmica Social está em um círculo assinado por você. Mais informações
Panorâmica Social
Compartilhada publicamente15:00
O difícil equilíbrio entre nacionalismo e universalismo humanista
O
nacionalismo moderno teve a sua gênese nas lutas dos povos europeus
contra a tirania dos reis absolutistas e contra a Igreja, que foi,
durante muito tempo, a única instituição cujo poder pairava acima de
todos os povos. De lá pra cá, o nacionalismo tem servido a diversos
propósitos – uns, bastante nobres, como no processo de independência de
algumas ex-colônias pelo mundo, mas outros, nem tanto, como na afirmação
da superioridade nacional perante outras nações, além de intenções
golpistas em seu nome.
O processo nacionalista
no Brasil começou ligado ao movimento romântico, de exaltação das nossas
supostas qualidades particulares, nossa cultura e nosso povo. E esse
tipo de louvação utópica da “pátria amada” descambou para um tipo de nacionalismo ufanista superficial e perigoso, pois manipula os interesses de classes específicas como se fossem os interesses de todos os cidadãos.
Como consequência, os símbolos nacionais brasileiros foram sequestrados
pelas classes mais conservadoras, especialmente os militares, e
passaram a servir como justificativa para corrigir de tempos em tempos
as “distorções” na política através de golpes, em nome dos supostos
interesses maiores da “pátria” (na verdade, interesses de classe).
Não existe ideologia mais reacionária no país do que o lema que orienta
esse tipo de nacionalismo: “Deus, pátria e família”, três criações
altamente discriminatórias que tem o seu sucedâneo na lema da nossa
bandeira: “Ordem e Progresso”. Disso implica que: se você não segue o
mesmo deus que eu, se não defende a mesma pátria e o mesmo modelo de
família que o meu, então você é um inimigo que deve ser atacado, um
perigo, um “subversivo” da ordem, que atenta contra as nobres tradições
nacionais. Obviamente são ideias ridículas baseadas numa mitologia
nacional arcaica.
Mas então, o que fazemos?
Descartamos essa ideia em nome de outras, mais justas e universalistas,
ou seja, a defesa de todos os povos do mundo, a favor da diversidade, do
pluralismo e da solidariedade, independentemente das cores de sua
bandeira?
De fato, uma coisa que pouco levamos
em conta é que temos, enquanto classe trabalhadora e assalariada nesse
mundo regido pelo capitalismo, muito mais em comum com os nossos
semelhantes de outros países do que com nossos próprios líderes
políticos e membros das elites econômicas brasileiras. Estes últimos,
por sua vez, têm muito mais afinidades de interesses com seus colegas
estrangeiros nas suas reuniões de Davos do que com os brasileiros das
classes mais baixas. Somos brasileiros mas de “brasis” completamente
diferentes. Mas na hora de levantarmos bandeiras, querem que levantemos
as mesmas inócuas bandeiras nacionais, e não a das nossas próprias
demandas enquanto classe. Isso não é muito adequado, mas é exatamente o
que acontece quando nos deixamos levar por uma crença de que no Brasil
de tantas desigualdades, todos estamos abrigados igualmente sob uma
mesma pátria amada e mãe gentil, com os mesmos interesses e direitos.
Mas por outro lado, não seria correto adotarmos a postura inversa,
ou seja, de abandonar completamente a atenção pelas questões nacionais,
que dizem respeito à soberania e aos interesses do nosso país, numa
lógica que seria tão equivocada quanto a do seu oposto: um nacionalismo
exacerbado e cego. Porque existem grandes corporações e países de olho
nas facilidades de explorar a nossa apatia perante a defesa de nossos
recursos naturais, por exemplo. O que devemos é estar conscientes das
distorções que o nacionalismo nos causa, percebermos os interesses que
estão por trás da nossa bandeira, e não deixar de entender que tudo isso
é uma mera construção histórica, e que não somos nem melhores e nem
piores do que nenhum outro país do mundo apenas porque somos
brasileiros. Mas temos, de fato, enquanto povo, alguns interesses em
comum que devem ser defendidos a nível internacional.
Por
fim, e mais importante: devemos atentar para as especificidades de
classe, de etnia e de gênero que estão inseridas dentro deste contexto
maior e generalizante chamado “nação brasileira”, se quisermos combater
as injustiças históricas que o nacionalismo oculta em nome de um suposto interesse maior chamado pátria.