O impeachment será no Whatsapp
Da greve de caminhoneiros ao panelaço, o aplicativo tem se tornado o principal articulador de campanhas para quem quer vender produtos, espalhar boatos ou apenas confundir
O "panelaço" que
tomou as varandas dos bairros mais ricos do Brasil durante o discurso
da presidenta Dilma Rousseff no domingo 8 pegou de surpresa boa parte da
população, que se assustou com a ação convocada pelo Whatsapp em 12
capitais. Antes disso, a rede já havia sido utilizada para articular o
bloqueio de 128 pontos de rodovias federais nagreve de caminhoneiros no mês passado.
No Piauí, o grupo Projeto Escolinha de Taipa tenta socorrer escolas
públicas em más condições. Professores e membros da comunidade se
articulam pelo aplicativo para arrecadar material escolar e até trocar o
telhado de unidades cobertas com palha.
As ações mais recentes, no entanto, são menos nobres: no começo da
semana ecoou no Whatsapp uma mensagem de voz em que um sargento Ferreira
"informava" que "a inteligência das Forças Armadas" estaria
aquartelada, "trabalhando descaracterizada em todo o território
nacional". Ele pede à população que estoque comida porque "está para
estourar uma guerra no Brasil": "Haverá intervenção federal de direita e
de esquerda".
Outro
alarme falso chamava a atenção para o confisco da poupança, similar ao
Plano Collor. "Dia 18 [de março] a Dilma vai retirar o dinheiro das
contas. Saca todo o dinheiro e não deixa nada", alertava a voz de uma
mulher.
Especialista em desmascarar boatos travestidos de notícia, o editor do Boatos.org,
Edgard Matsuki, fala das possibilidades multimídia da nova forma de
comunicação. "Boa parte dos rumores são em formato de áudio. Se quem
falou tem uma boa locução, a mensagem acaba mais convincente do que um
texto digitado", explica.
Diretor-executivo
da Paradox Zero, agência de estratégias digitais, Paulo Rebêlo acredita
que o Whatsapp é a rede do momento para a agitação política. "Ele é
mais rápido, objetivo e pessoal do que o Facebook ou o Twitter. Ao mesmo
tempo, não tem poluição visual nem anúncios e é muito mais fácil de
aprender a usar."
Com cerca de 800 milhões de usuários no mundo e 20 milhões só no Brasil,
o Whatsapp decidiu, no final do ano passado, aumentar para cem o número
máximo de pessoas por grupo. "Basta ter dez listas para atingir
diretamente mil usuários. Com uma estratégia bem definida, a eficiência é
muito alta", calcula Rebêlo.
De olho nesse filão, agências de marketing digital se especializam em
estratégias para aumentar o alcance e a eficiência das mensagens
enviadas pelo aplicativo. Uma delas é a Sendixx.com. Seu diretor
comercial, Marcelo Quaresma, conta que a eficácia das mensagens enviadas
pelo aplicativo chega a 96% e seu tempo médio de retorno é de 2 minutos
e 18 segundos. "Não existe meio mais assertivo ou retorno tão ágil no
mercado."
A empresa, então, criou uma ferramenta que permite, "por uma quantia
muito baixa, o envio em grande escala de mensagens de texto, vídeo e
imagem". "Identificamos automaticamente todos os usuários ativos do
Whatsapp e, através de mais de 40 mil linhas telefônicas, enviamos
campanhas para milhares de pessoas de uma vez."
No Whatsapp, explica Quaresma, ninguém precisa curtir, seguir ou
compartilhar para que os outros vejam. "Se alguma mensagem impacta
realmente o consumidor, ele interage, permitindo que as empresas
dediquem seus esforços aqueles que são os reais interessados em sua
marca ou produto."
Mas será que as legendas politicas usariam esse potencial para fins
partidários? "Sim", garante o diretor da Sendixx. "Em todos os segmentos
da política: desde grandes partidos, passando pela política dos
principais clubes do País até as universitárias." Rebêlo concorda: "É de
conhecimento geral que os partidos se articulam por meio dessas
ferramentas. É válido, faz parte do jogo."
Embora não exista dispositivo para rastrear uma mensagem, Rebêlo explica
que elas precisam partir de uma base. No entanto, só o Facebook - dono
do aplicativo - pode rastrear o caminho reverso para identificar o
número de origem, que "também pode ser forjado".
O que preocupa Matsuki, do Boatos.org, é justamente esse alcance. No
Facebook, a boataria começou logo após as eleições: Dilma chegou a ser
acusada de tramar a morte de Eduardo Campos e
de homenagear traficante; até o presidente venezuelano Nicolás Maduro
estaria disposto a invadir o Brasil para defender a presidenta em caso
de golpe.
Agora é a vez do Whatsapp. "O receptor da mensagem nem sempre se
interessa por política, não lê o assunto. Sua principal fonte de
informação são as redes sociais", diz o especialista. "Muita gente quer
genuinamente melhorar o Brasil ao espalhar notícias sem checar sua
veracidade." Bem intencionados ou não, acabam atuando como massa de manobra.
(Carta Capital)