Imprensa, massa e poder na análise lúcida de Luciano Martins Costa
Os jornais de terça-feira (10/3) procuram marcar a reação de moradores
de algumas cidades do Sul e do Sudeste à aparição da presidente Dilma
Rousseff na televisão, na noite de domingo (9/3), como um divisor de
águas no embate político que convulsiona as instituições da República.
Numa curiosa unanimidade, como se os três principais diários de
circulação nacional fossem editados numa mesma sala, o evento é
apresentado como o ponto de inflexão a partir do qual se
institucionaliza um novo momento no longo processo de desgaste promovido
pela imprensa.
As edições dos jornais seguem uma linha proposta pelos principais
noticiosos da TV na noite anterior, quando o protesto foi tratado como
uma reação espontânea de parte da população ao conteúdo do discurso
presidencial, principalmente ao fato de a presidente da República ter
pedido “paciência” pelas medidas econômicas que estão sendo
adotadas.Acontece que o barulho nas janelas eclodiu antes que ela
começasse a falar, ou seja, as pessoas que se manifestaram nem ficaram
conhecendo o teor do discurso.
Mas não se pode dizer que a imprensa brasileira é incoerente. O que
explica essa aparente contradição é a linha adotada agora por todos os
jornais e vocalizada por alguns representantes da oposição: trata-se de
promover o desgaste contínuo da imagem da presidente, impedindo que
governe – mas com o cuidado de evitar que o governo fique paralisado.
Até mesmo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi alistado entre
os porta-vozes dedicados a manter a pressão sob controle. Em discurso e
entrevista, ele afirma que os atores políticos vão tomar a frente do
movimento que eclodiu nas redes sociais, estimulado pela mídia.
Essa é a possibilidade que os conselheiros de comunicação da presidente
da República não viram, quando recomendaram que ela fosse à TV pedir a
compreensão da sociedade para as medidas de correção na economia.Os
assessores da presidente ainda acham que esse embate se dá no campo da
razão.
O impulso de destruição
O que está em curso é uma velha lição ditada em 1960 pelo ensaísta
Elias Canetti: a boa condução do rebanho consiste em mantê-lo em marcha
na direção e velocidade desejadas, sem permitir que iniciativas
individuais retardem ou atrapalhem a caminhada.
As vaias e o barulho das panelas indicam que o núcleo dos descontentes
está maduro para sair de casa e engrossar a manifestação marcada para o
dia 15/3, mas os líderes da oposição e a imprensa estão de olho naquilo
que Canetti chamou de “descarga” e “impulso de destruição”.
O que unificou os cidadãos de renda elevada, na noite de domingo, foi a
imagem da presidente Dilma Rousseff na televisão, não seu discurso. O
que os jornais tentam fazer, dois dias depois, é uma racionalização da
descarga de irracionalidade – processo que unifica os componentes dessa
massa que são, por sua natureza, extremamente individualistas. Analisar
os pontos do discurso, como fazem alguns jornalistas, é parte do
processo de legitimação do que vem em seguida: o impulso de destruição.
A oposição busca o poder político, a imprensa busca o poder econômico
por meio da política.Para fazer funcionar sua estratégia de conquistar o
que não obtiveram nas urnas, a oposição e a imprensa precisam que a
pressão social alcance todas as regiões do país, ou pelo menos a maioria
das capitais. Mas não podem permitir que o movimento saia de controle,
ou seja, é preciso criar as condições para a eclosão da descarga, mas
estabelecer a priori um limite para a ação.
Por quê? Simplesmente porque a massa não pode ser controlada no impulso de destruição.
Para obter um consenso mínimo, a aliança liderada pela imprensa precisa
cooptar a classe média emergente nos bairros que não aderiram ao
protesto – ou garantir que as maiorias permaneçam silenciosas. Não é por
outra razão que os jornais tratam de avalizar algumas lideranças de
movimentos que, até a véspera, só existiam no ambiente virtual das redes
digitais – entre eles um menino de 19 anos que mal consegue articular
duas frases com sentido completo.
O principal entre os muitos erros do governo nesse embate é
considerar que a razão pode predominar no ambiente comunicacional
envenenado e radicalizado pelas grandes corporações de mídia.
Luciano Martins Costa