sexta-feira, 13 de março de 2015

O que não faltam são rótulos

Populismo “gourmet”

http://www.jcnet.com.br/editorias_noticias.php?codigo=237959Adilson Luiz Gonçalves
Na política não faltam rótulos, normalmente pejorativos, atribuídos a desafetos. Existem os rótulos zoológicos: raposa, hiena, abutre, porco chauvinista, verme, sanguessuga, gafanhoto, etc; os teratológicos: monstro, aberração, ogro, etc; os escatológicos... Bem, deixa esses pra lá. Mais recentemente, introduziram os rótulos gastronômicos: um deles é coxinha, se bem que, desde tempos imemoriáveis e de uso geral, já existiam os pamonhas e os antropofágicos “comedores de criancinhas”.

Um que vem caindo em desuso é o rótulo botânico, pois os “caras-de-pau” até gostam da denominação. Devem crer que isso os protege do risco de “desmatamento”.

Quem cria esses rótulos e os dissemina provavelmente mexe com publicidade, com viés político-partidário-ideológico. Mas também existem estereótipos nos meios acadêmicos. Não faz muito tempo cunharam a expressão “nova classe média”, diferenciando os recentemente saídos da faixa menos favorecida da “abjeta” classe média “tradicional”. Tem “intelectual” que odeia tanto a classe média, que nem aceitou que esse nome fosse parcialmente utilizado para o novo rótulo. Preferiu criar a “nova classe trabalhadora”.

Assim, entre carimbos “fordistas”, políticos, marqueteiros e “intelectuais” de todas as linhas ideológicas vão travando sua contenta verbal, doutrinando e exortando seus sequazes a aplaudir e disseminar suas “pérolas”, neologismos e preconceitos, sem medir consequências ou com objetivos muito bem definidos.

Ah, os discurso inflamados em palanques, congressos e salas de aula!

Quanta verve e eloquência fascinando e tolhendo a capacidade de raciocínio dos ouvintes, sobretudo dos menos afortunados e jovens! Quanta teoria repleta de idealismo humanista apaixonante! Quanto “heroísmo estóico”, mais lendário do que real! E quanta prática que nega sistematicamente o que se prega!

É curioso ver “intelectuais”, políticos e militantes de “elites” partidárias discursarem pela distribuição de renda e “democracia” de um partido só - desde que ninguém mexa em seus salários, ascendência e “direitos adquiridos” pela sua “história de lutas” -, para depois vê-los reunidos em restaurantes e hotéis luxuosos, gastando dinheiro público ou de “outras fontes” em hospedagens e refeições “gourmets”; ou viajando para países que apontam com maus exemplos, para fazer turismo gastronômico-etílico; ou apoiando discursos populistas enquanto tomam café com croissants às margens do Rio Sena.

Qualquer que seja a ideologia, o exercício ou a proximidade do poder inebria, mas parece nunca enfastiar. Parece que ninguém se cansa do poder ou de ansiar por ele, não necessariamente para “o bem de todos e felicidade geral da nação”.

E esse exercício ou desejo de poder quase sempre se traduz em megalomania, arrogância e hipocrisia que criam uma dupla personalidade, uma desdizendo a outra de tal forma, que só os fanáticos e parvos não as percebem, mas que convivem sem a menor contradição, nos que usam o populismo ou a “intelectualidade” como “verniz”.

Não é à toa que estes são capazes de organizar manifestações “heróicas”, cheias de proselitismo para, depois, irem, elitistas, comemorá-las, avaliá-las ou planejar novas em restaurantes sofisticados, sem suas massas de manobra. Da mesma forma, não terão nenhum problema em preparar discursos libertários e socialmente engajados entre charutos cubanos, vinhos importados, “jamón” ibérico e outros seletos “prazeres”, degustados longe dos olhos de quem os ouvirá. “Gourmets”? Em verdade, estão mais para pão bolorento...

O autor é escritor, engenheiro
e professor universitário