O genial Sebastião Salgado solta o verbo sobre a crise hídrica, a corrupção e a tendenciosidade da mídia
"Hoje temos um Brasil moderno, mas que foi construído sobre as florestas e os rios. Por isso, devemos repensar o consumo.""Depois do segundo governo do PT, há um acesso de 40 milhões de pessoas à classe média. Isso nunca aconteceu e é positivo, mas gera demanda de água", explica. "A solução para o problema é preservar nossas nascentes. É absolutamente necessário que todas as instituições, sejam públicas ou privadas, façam sua parte."
"Pela primeira vez, os que estão no governo [federal] não são os mesmos que dominam os meios de comunicação, e por isso há informação sobre corrupção. Pela primeira vez, os corruptores estão pagando. Antes, só alguns intermediários eram acusados de corrupção. O Brasil já é um grande País e está cada vez mais sério".
Extraído da Carta Capital:
Cultura
Fotografia
'Matamos nossos rios, não há partido que resolva', diz Sebastião Salgado
Fotógrafo de 71 anos fala de crise hídrica e denúncias de corrupção às
vésperas do lançamento do documentário 'O Sal da Terra', que concorreu
ao Oscar
por Pedro Castro — publicado 24/03/2015 04:29
Fotos Jackson
Sebastião Salgado estrela documentário dirigido pelo alemão Wim Wenders e por Juliano Ribeiro Salgado
"Matamos os nossos rios e as nossas florestas, e não há partido ou
político que vá resolver isso sozinho", atesta Sebastião Salgado. Para
ele, o problema da crise hídricabrasileira é “de toda a sociedade. Todos somos seres políticos e temos responsabilidades sociais".
As ações do fotógrafo de 71 anos vão além do discurso afinado. Desde
1998, ele e sua esposa, Lélia Wanick, mantém o Instituto Terra,
responsável pelo plantio de mais 2 milhões de árvores em Aimorés, no
interior de Minas Gerais. De acordo com Salgado, a falta de água tem
sido mais sentida agora, “mas esse problema já vem acontecendo há muito
tempo. Se estivéssemos cuidando dos rios e das florestas, não estaríamos
tão dependentes das chuvas para encher os reservatórios".
É este Sebastião Salgado engajado que o filme O Sal da Terrarevela. Dirigido pelo alemão Wim Wenders e por Juliano Ribeiro Salgado, filho do casal, o filme concorreu ao Oscar na
categoria documentário. Com lançamento no Brasil previsto para o dia
26, o longa vai além da obra do artista e mostra o agente social, o
ambientalista. Para Lélia, o documentário "é mais do que um filme sobre a
fotografia ou sobre a história de um homem, é um filme que mostra um
ponto de vista sobre o mundo".
Ao falar para mais de mil pessoas no projeto Sempre um Papo, que leva
escritores e artistas para conversarem com o público em Belo Horizonte,
Sebastião Salgado arrancou aplausos. "A solução para a crise hídrica é
simples: não medir esforços. O Brasil é um País incrível, mas parece que
o brasileiro não percebe isso. Ainda somos muito pessimistas em relação
à nossa própria gente”, alertou.
Salgado afirma que "hoje temos um Brasil moderno, mas que foi construído
sobre as florestas e os rios". Por isso, devemos repensar o consumo.
"Depois do segundo governo do PT, há um acesso de 40 milhões de pessoas à
classe média. Isso nunca aconteceu e é positivo, mas gera demanda de
água", explica. "A solução para o problema é preservar nossas nascentes.
É absolutamente necessário que todas as instituições, sejam públicas ou
privadas, façam sua parte."
É nesse sentido que o projeto Olhos d’Água pretende revitalizar todas as
nascentes da bacia do Rio Doce, que tem o tamanho de Portugal. O
fotógrafo contou ao público que a iniciativa do Instituto Terra "é um
projeto que custa bilhões, mas, comparativamente, sai mais barato do que
comprar aviões caça da Suécia".
Mesmo com a atual crise, Salgado mostra otimismo com o País. Em
entrevista antes da palestra, ele afirmou que "pela primeira vez, os que
estão no governo [federal] não
são os mesmos que dominam os meios de comunicação, e por isso há
informação sobre corrupção. Pela primeira vez, os corruptores estão
pagando. Antes, só alguns intermediários eram acusados de corrupção. O
Brasil já é um grande País e está cada vez mais sério".
Não é de hoje que Sebastião e Lélia estão ligado às causas sociais.
"Depois de 64, participamos de todas as manifestações e ações de
resistência à ditadura e estávamos determinados a defender nossos
ideais. Isso era muito perigoso", conta.
Em agosto daquele ano, com pouco mais e 20 anos de idade, o casal se
sentiu como as pessoas que ele viria a retratar anos mais tarde em Êxodos, que mostra aqueles que abandonam a terra natal.
Doutor em economia, Salgado conheceu Lélia enquanto fazia universidade
em Vitória. "São 50 anos de sonhos realizados juntos", ela afirma
sorridente. Um desses sonhos é o reflorestamento da fazenda herdada da
família do fotógrafo que estava totalmente degradada e deu origem ao
Instituto.
"Tinha acabado de lançar o Êxodos e
estava profundamente deprimido, afundava no pessimismo. Vi coisas
terríveis na África e na antiga Iugoslávia. Pensei então em um projeto
para denunciar a destruição e a poluição das florestas", conta o
fotógrafo. Foi nesse momento que Lélia surgiu com a ideia de replantar.
Mesmo com o inicio problemático (60% das mudas plantadas não "vingaram"
no primeiro plantio), hoje o programa é um modelo para o País. Cerca de
700 projetos de educação ambiental que atingiram mais de 65 mil pessoas e
o maior viveiro de plantas nativas de Minas Gerais são alguns exemplos
da grandiosidade do projeto. "O Instituto é um de nossos filhos", afirma
Lélia. "Plantar é como cuidar de uma criança, é preciso proteger,
alimentar e dar condições para que, ao crescer, ela se torne
independente", completa Salgado.
Foi neste momento de reaproximação com a natureza que o fotógrafo
começou a pensar em fazer outro livro. "Foi vendo a vida nascer na
floresta que surgiu o Gênesis",
conta para o público. "Antes, eu havia fotografado apenas uma espécie: o
homem. Para este projeto, precisei aprender a conviver com outras
espécies".
Para ele, reaproximar da natureza é fundamental para compreendermos
nosso lugar na Terra. "Hoje somos extraterrestres no nosso próprio
planeta, não conhecemos nada sobre pássaros e plantas. Não temos a noção
de que somos apenas uma espécie no meio de milhares. As árvores, por
exemplo, são as responsáveis em manter a água no solo e o oxigênio no
ar. Mas a cada dia cortamos mais árvores e poluímos mais a água e o ar.
Temos que voltar em direção à Terra."
Mundo do Café
O fotógrafo não demonstra cansaço. Em maio ele inaugura a mostra Perfumes de Sonho – Uma Viagem ao Mundo do Café na
Expo Universal de Milão 2015 e cinco dias depois leva o trabalho para
Bienal de Veneza. "Resolvi fotografar a história das pessoas que
trabalham com café. Tomar café é um coisa tão comum que não nos damos
conta do tanto de gente envolvida no processo", explica Sebastião. Na
mostra, ele registrou a relação do homem com o fruto na Etiópia,
Guatemala, Índia, China, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Indonésia,
Tanzânia e Brasil.