A grande imprensa e a midia em questão: o caso da blindagem de FHC pela Globo e pela Reuters
"O noticiário pessimista induzido pela imprensa diariamente teria menos efeito no ânimo dos cidadãos se eles soubessem como é produzido."
A NOTÍCIA COMO ELA É
A receita da salsicha
Por Luciano Martins Costa em 25/03/2015 na edição 843 do Observatório da Imprensa
“Os cidadãos não dormiriam tranquilos se soubessem como são feitas as leis e as salsichas.”
A frase, atribuída ao chanceler do império germânico Otto von Bismarck
(1815-1898), poderia receber uma paródia muito a propósito: “Os cidadãos dormiriam mais tranquilos se soubessem como é feito o jornalismo”. Seria uma maneira de dizer que o
noticiário pessimista induzido pela imprensa diariamente teria menos
efeito no ânimo dos cidadãos se eles soubessem como é produzido.
Eventualmente, um vacilo da redação torna pública a manipulação de
reportagens e entrevistas, como aconteceu no dia 8 de fevereiro deste
ano, quando circulou nas redes sociais cópia de mensagem enviada pela
diretora da Central Globo de Jornalismo, Silvia Faria, recomendando aos
chefes de núcleo da emissora que retirassem qualquer referência ao
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso do noticiário sobre o escândalo
da Petrobras.
Segundo o jornalista Luís Nassif, que divulgou o fato em seu site noticioso (ver aqui), o texto trazia como assunto: “Tirar
trecho que menciona FHC nos VTs sobre Lava a Jato” (sic) e alertava:
“Revisem os vts com atenção! Não vamos deixar ir ao ar nenhum com
citação ao Fernando Henrique”.
A confissão explícita de que o mais influente telejornal da emissora
que domina as audiências é condicionado de cima para baixo não
surpreende quem sabe como a salsicha é feita: o Grupo Globo deve ao
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso o saneamento de suas dívidas,
obtido com um empréstimo do BNDES, no valor de R$ 600 milhões, concedido
em 2002, no fim do seu segundo mandato. Além disso, a parceria tem
outras raízes: a jornalista que constrangeu o ex-presidente com um filho
que não era dele – e que FHC, inadvertidamente, reconheceu num cartório
da Espanha (ver aqui) – era funcionária da TV Globo e foi premiada com
um exílio na Europa há vinte anos.
A vida privada de políticos não deveria interessar ao jornalista, desde
que os eventos particulares não interfiram nos fatos públicos. Não é o
caso: a cumplicidade entre a principal emissora do país e um
ex-presidente que segue influenciando a política e a economia nasce de
ato indecoroso do então ministro do governo Itamar Franco, acobertado
pela empresa de comunicação e que, possivelmente, criou as condições
para uma decisão de Estado – o favorecimento num empréstimo do banco
estatal de desenvolvimento.
Nesta semana, as entranhas da salsicha midiática voltam a ser expostas
à visitação pública por um ato falho do correspondente-chefe da agência
de notícias Reuters, Brian Winter, que em sua edição brasileira
publicou entrevista com o ex-presidente, na qual Fernando Henrique
Cardoso afirma que seu sucessor, Lula da Silva, tem mais
responsabilidade no escândalo da Petrobras do que a atual presidente,
Dilma Rousseff.
Às 9h08 de segunda-feira (23/3), a entrevista assinada por Brian
Winter trazia uma afirmação de Fernando Henrique segundo a qual a
corrupção se tornou mais intensa durante o governo Lula. Mas logo
adiante, no sexto parágrafo, podia ser lido o seguinte: “Entretanto,
um dos delatores do esquema, o ex-gerente de serviços da Petrobras Pedro
Barusco, disse que o esquema de pagamento de propinas começou em 1997,
durante o governo tucano”.
A pérola é o que se segue – entre parênteses, o autor faz uma ressalva ao editor: “(Podemos tirar, se achar melhor)”.
Ou seja, o jornalista inseriu informação que relativizava a declaração
do entrevistado e, em seguida, recomendou que a referência à origem da
corrupção na Petrobras, durante o governo FHC, fosse cortada do texto
final.
Após alguma repercussão nas redes sociais, o site da Reuters
republicou a entrevista, sem a recomendação de Winter, mas deixava uma
pista também entre parênteses: “(Reenvia texto publicado originalmente na segunda-feira para excluir nota do editor no fim do 6º parágrafo)”.
Este observador pediu explicação à agência de notícias e até a manhã de quarta-feira (25/3) não obteve resposta.
O correspondente Brian Winter, no Brasil desde 2010, publicou quatro
livros, três dos quais são biografias: uma de Pelé, outra do
ex-presidente colombiano Álvaro Uribe, e a terceira de Fernando Henrique
Cardoso. O livro intitulado O improvável presidente do Brasil,
publicado em 2007, originalmente em inglês, foi ditado pelo
ex-presidente ao jornalista Brian Winter, que aparece como coautor, o
que permite ao modesto sociólogo falar de si mesmo na terceira pessoa.
Deu para entender como é feita a salsicha?